Governo vai tentar despachar a avaliação das propostas o mais rápido possível, alegando urgência de capitalizar a empresa. Mas a rapidez permitirá também evitar que as eleições venham a interferir com o desejo de vender a TAP

O governo confirmou na noite desta sexta-feira ter recebido três propostas para a compra do grupo TAP, propostas essas com a assinatura de Paes do Amaral, David Neeleman e German Efromovich, nomes que todavia o executivo não quis confirmar. Para o governo, a venda da TAP é “um objectivo que o país persegue há mais de 15 anos”, conforme disse Sérgio Monteiro, secretário de Estado dos Transportes.
Sem avançar com detalhes concretos sobre as propostas, não só por razões de confidencialidade mas por estas ainda estarem a ser analisadas pela Parpública, o governante apontou apenas que este “é um processo muito importante para a TAP, daí que este dia represente uma nova esperança para empresa, os seus trabalhadores e para o país”. O secretário de Estado referia-se à “esperança de ver a TAPcrescer, capitalizada e em condições de concorrer com os seus pares europeus”.
É de notar porém que aTAP registou um forte crescimento nos últimos anos, resistindo ao incremento da concorrência ao ponto de registar um crescimento médio anual de 6% no total de passageiros transportados desde 2004. Sérgio Monteiro ainda se queixou do “muito ruído interno”que a venda da TAPestá a provocar, saudando “termos três propostas concorrentes que permitem agora um ambiente competitivo” na próxima fase da privatização, que pode passar pela negociação directa com os candidatos isto no caso de mais do que uma das candidaturas ser aprovada.
Em relação aos próximos passos deste dossiê, caberá agora à TAP e à Parpública avaliar as propostas, que incluem duas vertentes:a financeira e a técnica. Esta análise tem que ser feita em cinco dias para que não surjam atrasos no calendário decidido pelo executivo: “Tudo faremos para ter o contrato assinado até final de Junho, para a TAP ter acesso a capital no mais curto espaço de tempo possível.”A proximidade das eleições legislativas e o facto do PS ser contra este modelo de venda estarão também a pesar na decisão de despachar o processo o mais rápido possível.
Dos três interessados que avançaram com propostas, dois, David Neeleman e German Efromovich, estão já presentes na aviação. O primeiro fundou a Azul, companhia brasileira low-cost com 21 milhões de passageiros anuais, e Efromovich detém a Avianca, cujos dois ramos, um no Brasil e outro na Colômbia, transportam mais de 35 milhões de passageiros. Segundo explicou David Neeleman ao “Estado de São Paulo”, a TAP “tem um tráfego forte para o Brasil. Podemos fazer muitas coisas interessantes integrando a operação da TAP com a Azul”.
O que querem os interessados A principal actividade da TAP, o transporte de passageiros, registou um crescimento de 100% nos últimos dez anos, período em os proveitos saltaram de 1,4 mil milhões de euros para 2,8 mil milhões de euros e em que os 6,4 milhões de passageiros anuais saltaram para 11,4 milhões.
ATAPé hoje a principal companhia aérea nas ligações entre a Europa e o Brasil, sendo vista como “um centro nevrálgico” da operação da Star Alliance – associação de companhias aéreas – e apresentada por esta aliança, liderada pela Lufthansa, como “a principal transportadora internacional a voar para o Brasil”.
Este é um país que recebe cerca de seis milhões de turistas anualmente e que todos os anos emite quatro milhões de turistas em direcção à Europa – números que devem crescer bastante nos próximos anos. Não é assim por acaso que desde 2009 o transporte aéreo da TAP tenha acumulado mais de 136 milhões de euros de lucros. E para onde foi o dinheiro? Palavra à Parpública, holding que detém as participações do Estado e que avaliará as propostas pela TAP: “A evolução do negócio da manutenção no Brasil (…) tem sido suficientemente negativa para anular os lucros obtidos no negócio do transporte aéreo.” A aposta em negócios que não o transporte de passageiros – decisão que aliás contrariou as indicações dadas por Bruxelas aquando da injecção de capital na TAP, em 1994 – acabou por passar uma factura bem elevada à empresa, com a manutenção do Brasil a ser responsável por mais de metade dos prejuízos.
Os resultados de 2014 têm sido também apontados como justificativos da opção e na urgência de privatizar a empresa, dadas as dificuldades financeiras. Mas os problemas que arrastaram a TAPpara prejuízos em 2014 “estão essencialmente associados a factores extraordinários”, admite a Parpública, onde refere também que os problemas de liquidez se devem à retenção de capital daTAP naVenezuela e Angola [ver em baixo].
A Parpública aponta ainda que “um adequado alinhamento de todos os intervenientes com os reais interesses do grupo, dos trabalhadores e da economia nacional” bastaria para evitar a degradação das contas da companhia no futuro. Este alinhamento, “associado às perspectivas positivas existentes face à evolução do transporte aéreo a nível internacional, à consolidação da retoma em Portugal e ainda a expectativa de que tenham sucesso as estratégias para a reestruturação de negócios deficitários, permitem sustentar a convicção de que o grupo será capaz de retomar uma trajectória positiva”, mesmo no “ambiente volátil e desafiador” que é a aviação.
Raio-X TAP:
Proveitos cresceram 100% em dez anos
O ramo de transporte de passageiros e carga na TAP é responsável por 80% dos rendimentos e ganhos do grupo e nos últimos anos disparou: se em 2004 a TAP transportava 6,2 milhões de passageiros, desde então registou um crescimento médio anual de 6,4% nesta rubrica, tendo fechado o ano passado com mais de 11,4 milhões de passageiros transportados. Este crescimento trouxe ganhos ainda mais expressivos nos proveitos operacionais da transportadora, que duplicaram desde os 1,4 mil milhões de euros de 2004 até aos 2,8 mil milhões do ano passado. Já os custos cresceram 77% até 2013.
Parpública, relatório anual 2014: “A situação da TAP tem sido caracterizada por acumular de perdas no negócio do Brasil (…), suficientemente negativas para anular os lucros do transporte aéreo”
TAP reduziu 25% da dívida desde 2008
É um dos números mais atirados para compor o quadro negro que serão as contas da TAP. O grupo tem uma dívida de 1,062 mil milhões, valor que em 2008 estava nos 1,413 mil milhões de euros. Em 2014 a dívida subiu ligeiramente (1%) mas a TAP conseguiu baixar a taxa de juro média do grupo.
Sérgio Monteiro, secretário de Estado dos Transportes: “Uma das matérias que causou perturbação foi o risco de uma decisão unilateral do Estado no futuro que pusesse em causa o investimento que irão fazer”
Liquidez? Culpa de Angola e Venezuela
A subida de 1% na dívida da TAP em 2014 foi a forma encontrada pela empresa para compensar a redução das disponibilidades de tesouraria da empresa, os tais problemas de liquidez da TAP. Segundo a Parpública, a estes problemas de liquidez não foram alheias “as dificuldades de repatriação de receitas da TAP como as que se têm vindo a intensificar na Venezuela onde se encontravam retidos no final de 2014 mais de 100 milhões de euros e em Angola onde na mesma data se encontravam retidos 19 milhões de euros”. São 119 milhões de euros que o grupo TAP acabará eventualmente por receber, beneficiando o accionista.
in: Jornal i, 16 Maio 2015