Gestor português: um perfil em adaptação

Os decisores enfrentam uma transição generalizada, em que as expetativas de consumidores, colaboradores e dos talentos vão muito além do que antes era exigido. E a postura autocrática e a resistência à mudança podem ser obstáculos sérios

in: Região de Leiria, 23 novembro 2017

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Os líderes portugueses são centralizadores e exigentes quando se pede que sejam formadores e impulsionadores da transformação. As conclusões são do recente barómetro da Human Resources Portugal, onde o “autocrático” surge como o tipo de chefe mais comum em Portugal. A HRP quis traçar o perfil mais encontrado entre os decisores nacionais, tendo questionado 150 profissionais das principais empresas do país, dos quais 90% diretores e 10% presidentes ou CEO, sobre o assunto. As conclusões deste painel chegam assim de um ângulo privilegiado: os maiores empregadores da economia.

Mas se reduzir o empresário, empreendedor ou gestor – por vezes tudo num só – a um único perfil já seria redutor, na fase que a economia atualmente atravessa fica ainda mais complicado descobrir como é, afinal, o líder português. Vive-se uma fase de transição no tecido empresarial, de alteração geracional, que traz consigo novas realidades não só no que se procura dos gestores, mas também no tipo de consumidores, colaboradores e talentos que vão emergindo. E esta é talvez a característica mais determinante no desenho do perfil do gestor: está a mudar e tem cada vez mais camadas.

“O perfil dos gestores portugueses situa-se entre os gestores das médias e grandes empresas, por um lado, e das micro e pequenas empresas, por outro; também os jovens gestores, com formação superior adequada, e gestores seniores, por um lado, e gestores com experiência empírica e reduzida formação especializada por outro, constituem outra perspetiva de análise”, sublinha-nos Luís Frazão Correia, administrador da OED Consultores. “O perfil do gestor português encontra-se assim numa fase de transição, com junção ao empirismo, criatividade e espontaneidade pessoal, da capacidade técnica e científica”, acrescenta.

Esta transição traz consigo novas ramificações na definição de um perfil-tipo para o líder, pois a geração que recentemente chegou ao mercado tanto avançou para a criação da sua própria empresa, como se foi integrando em sociedades já consolidadas, as quais tentam transformar desde dentro. Sendo eles próprios por vezes também transformados. E há ainda que dividir entre os que encontraram lugar numa grande empresa e os que encontram em pequenas empresas. Tudo posições com especificidades próprias.

“Assistimos ao aparecimento de uma classe de novos gestores, devidamente formados e especializados, nas diferentes escolas nacionais e experiências várias internacionais, os quais integram os quadros das diferentes empresas de uma forma transversal”, diz-nos o administrador da OED.

Nas empresas de dimensão reduzida o impacto das novas gerações será até mais sentido, já que em estruturas mais curtas mais depressa encontram forma de se fazer ouvir. Mas nessas pequenas empresas é também mais fácil encontrar métodos de decisão menos científicos e mais empíricos, resultado de anos de experiência acumulada, e, logo, potencialmente mais enraizados. E apesar da resistência poder ser maior, também há que aprender com tantos anos de experiência. Influenciar e ser influenciado.

“Nas médias e grandes empresas preponderam quadros qualificados, experientes, jovens e seniores, cujos métodos de decisão assentam em critérios científicos e usam as ferramentas de gestão mais sofisticadas e internacionalmente disponíveis. Nas micro e pequenas empresas, já com muitos dos jovens quadros acima definidos, preponderam, no entanto, gestores cuja base de decisão é sobretudo empírica e resulta do sentido de oportunidade que está subjacente ao caminho por estes percorrido”, sumariza Frazão Correia.

Mas a transformação em curso vai além do impacto na gestão pura das empresas. A responsabilidade social, o respeito pelo ambiente e a resistência a empresas excessivamente focadas no curto-prazo são fatores que pesam nestes novos consumidores e talentos, alguns dos quais são já ou serão a curto-prazo decisores – de empresas ou de orçamentos familiares.

“São múltiplas as mudanças num relativo curto espaço de tempo e estas não estão só a ocorrer ao nível dos clientes. No que respeita ao talento, este é ainda mais pronunciado – 63% dos CEO nacionais acredita que os talentos de topo querem trabalhar em organizações que partilhem os seus valores sociais, já 58% acredita que esta área terá muita relevância dentro de cinco anos”, lê-se nas conclusões do “19º CEO Survey” da PricewaterhouseCoopers, publicado este ano e que ouviu 60 CEO portugueses. E aqui concorre também a revolução digital já em curso.

“Os objetivos de vida destes novos líderes são muito diferentes dos seus antecessores. A nova geração, que agora emerge no mercado de trabalho, a denominada ‘Geração Z’, já nasceu sob a influência do mundo tecnológico, e este fato terá um impacto enorme no mundo empresarial nas próximas décadas. Apesar de existirem exceções a cada regra, o fator mais importante para a sobrevivência de uma empresa é a sua ênfase em inovação e na constante reinvenção”, recomenda a PwC.

Os tipos de perfil e a qualidade geral

De acordo com o barómetro da Human Resources, publicado em março na revista Human Resources Portugal, são doze as características que mais se encontram nos líderes do tecido económico português.

As posturas “Autocrático” e “Exigente”, como atrás já referido, destacam-se, sendo nomeadas por 52% e 45,8% dos inquiridos. A proximidade aos colaboradores e ao trabalho que estes desenvolvem, além de personalidades em certos aspetos carismáticas, são os traços que se seguem, surgindo com mais de um terço das respostas. Mas se mudarmos um pouco a questão, outras características sobressaem.

Em fevereiro, a Stanton Chase Portugal, um dos maiores grupos mundiais na captação de executivos, apurou junto de diretores-gerais e gerentes regionais de empresas presentes em Portugal, não o perfil-tipo, mas as principais características que viam no “gestor português”. E se este até pode ser autocrático, talvez o seja porque as suas particularidades mais comuns são a “dedicação” e “resiliência”, atributos apontados por 72% e 63% dos inquiridos pela Stanton Chase.

Mas estes atributos não encontram paralelo num outro que, por vezes, será tão ou mais importante: “De notar que o Rigor (5%) foi, mais uma vez, o atributo menos mencionado”, sublinha a empresa. A falta de rigor não é, portanto, um problema de hoje, sendo antes crónico. Talvez por isso, e quando questionados sobre a qualidade geral dos líderes portugueses, quase metade do painel da Stanton Chase avaliou-a como “razoável” (46%), a resposta mais referida.

E contra isto a melhor recomendação será a internacionalização. Não das empresas, mas dos gestores. Para a Stanton Chase a “experiência internacional” é mesmo o principal fator para o desenvolvimento profissional de um líder executivo. Luís Frazão Correia concorda: “A experiência internacional prestada e obtida com os variados processos de internacionalização, que as micro, pequenas, médias e grandes empresas têm levado a cabo nos últimos anos, e o reconhecimento positivo e favorável que estas empresas têm tido no mercado internacional, confere aos gestores nacionais um profissionalismo superior especializado e maior capacidade competitiva internacional.”

A mudança e o gestor do futuro

Como é que tudo isto irá influenciar a evolução das empresas? De regresso ao barómetro da Human Resources, notamos que apenas 10% dos inquiridos identificou capacidades “visionárias” nos gestores portugueses, e só 8,33% lhes reconhece capacidade “transformacional”. E estarão então preparados para os novos desafios? Nem por isso, diz o painel: 46% dos inquiridos acredita que os líderes estão “pouco preparados”, contra 37,5% que considera que “estão preparados”. Curiosamente, ninguém acha que os gestores “estão muito bem preparados”.

E este será o lado mais preocupante numa fase em que a digitalização já é uma certeza mais do que uma mudança ainda em curso. Quase dois terços do painel da Human Resources realçou “a dificuldade de reconversão/ adaptação de algumas gerações” como uma preocupação latente, ainda que a digitalização traga outras preocupações: a exigência de se estar ligado quase “24 horas por 7 dias da semana” ou a redução dos quadros de pessoal são também desafios complexos nesta transição, salientam.

“Para o desenvolvimento de uma força de trabalho com qualidade (nomeadamente de futuros líderes), os CEO estão a transformar as suas agendas, comprometendo-se a compreender que esta nova geração de líderes cresceu num mundo com diferentes tendências e realidades, muito bem informada e por sua vez, mais preparada para os abordar problemas mais complexos. É essencial a capacidade de alinhar a força de trabalho com os objetivos da empresa e as metas de crescimento”, sugere já a PwC que, no seu “19º Survey”, deixa também a visão sobre “as novas competências necessárias” a um CEO.

Assim, e segundo a PricewaterhouseCoopers, os líderes atuais devem já estar preparados para “operar num mundo com múltiplos stakeholders, com diferentes valores e várias atitudes”, mas devem também estar à vontade na “análise de dados” e perante a diversidade tecnológica, cabendo-lhes igualmente a responsabilidade de “desenvolver novos líderes” e saber falar aos trabalhadores, não só “com mensagens consistentes”, mas sobretudo realizáveis.  E as recomendações não são apenas internas, já que conforme demonstraram os últimos anos, os gestores de hoje têm de estar cientes da necessidade de “lidar com a volatilidade” das economias, seja a portuguesa, seja a dos mercados externos.

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