Procuradoria vai analisar se há matéria para revogar licenças. Rendas em excesso podem chegar a 40 milhões de euros
in: Dinheiro Vivo, 1 julho 2017
O governo solicitou à Procuradoria-Geral da República (PGR) para averiguar se há matéria para revogar ou cessar os contratos de várias centrais de energia solar fotovoltaicas, cujas licenças foram atribuídas em 2009 oferecendo aos produtores rendas bastante elevadas.
O envio do dossiê para a PGR surgiu depois de uma auditoria da Direção-Geral da Energia e Geologia (DGEG) ter confirmado as denúncias apresentadas pelo Bloco de Esquerda sobre as violações aos termos destas licenças. Neste caso, o valor pago a mais pelos consumidores através destas bonificações será entre 30 e 40 milhões de euros, segundo contas de Jorge Costa, do Bloco de Esquerda.
“O governo, através do secretário de Estado da Energia, determinou a realização de uma auditoria à DGEG com vista a apurar eventuais irregularidades”, apontou o gabinete de Jorge Seguro Sanches, ao Dinheiro Vivo. Na sequência das conclusões da auditoria, e “para assegurar o rigoroso cumprimento da lei e a defesa do interesse público e dos consumidores”, foi então “solicitado um parecer ao conselho consultivo da PGR sobre esta matéria”.
Em causa estão 11 licenças de produção de energia solar fotovoltaica de concentração, lançadas em 2009 e aprovadas em 2011 e cuja maioria entrou em produção em 2014. A lógica do concurso visava privilegiar a inovação e a investigação de novas tecnologias, daí a oferta de uma bonificação elevada por cada megawatt/hora (Mwh) produzido, de 380 euros, valor mais do que cinco vezes superior ao custo atual do Mwh. Sendo tão bem remunerado, o concurso tinha regras: cada licença teria de explorar uma tecnologia diferente e nenhuma empresa podia ter mais do que uma licença.
Estas regras foram porém deturpadas desde que as licenças foram atribuídas. Não só há empresas que já acumulam mais do que uma licença como, na maioria dos casos, a solução tecnológica utilizada é a mesma – nove das onze recorreram à mesma solução, da empresa Magpower. Mas apesar de as alterações violarem as licenças, não promovendo inovação ou investigação, as mudanças não foram refletidas no elevado valor das rendas pagas pelos consumidores às empresas que exploram as centrais – entre elas a Sonae Capital, que acumula mais do que uma destas.
“A DGEG identificou diversas situações de mudança de tecnologia, com repetição da tecnologia, bem como situações de alteração na titularidade, não obstante, nomeadamente a proibição prevista”, avançou o gabinete de Seguro Sanches, justificando desta forma o recurso à PGR.
Caberá à Procuradoria apurar as violações legais que podem estar em causa, se há indícios de irregularidades e se é possível “revogar atos e/ou cessar licenças”, além de que outro tipo de “diligências” poderá o executivo levar adiante neste caso, segundo explica o Ministério da Economia.
O governo vai agora aguardar pelas conclusões da PGR de modo a ter em mãos “o adequado apuramento dos factos para que se possam praticar os atos e adotar as diligências necessárias à regularização das situações ou, havendo fundamento para tal, tirar as devidas consequências”.
Contactado pelo Dinheiro Vivo, Jorge Costa, deputado do BE, referiu que este é “mais um de vários casos no setor da energia em que foram atribuídas tarifas garantidas, subsidiadas pelos consumidores, em que é preciso verificar e terminar com os subsídios abusivos e injustificados”.
De acordo com o deputado, este concurso tinha “objetivos de estímulo à inovação e demonstração de novas tecnologias”, daí “as muito altas bonificações ao longo de 12 anos”. Contudo, e “já sob o governo PSD/CDS, estas licenças acabaram por ser transacionadas, subvertendo as regras iniciais”.
Segundo Jorge Costa, este ignorar de regras mantendo-se os subsídios, trouxe “um peso acrescido na fatura dos consumidores de eletricidade entre 30 e 40 milhões de euros”. “Mais um de entre os muitos casos em que o anterior governo foi complacente e permitiu sobrecarregar os consumidores, criando novas rendas na energia”.
Em comparação com as rendas pagas a estas centrais, note-se que o atual governo já autorizou várias outras centrais fotovoltaicas sem precisar de oferecer qualquer renda em troca das mesmas.