Estado incorre em custos com disponibilização de garantia bancária e pode ainda perder 285 milhões com deduções fiscais
in: Dinheiro Vivo, 24 dezembro 2016
No universo dos lesados do papel comercial do Grupo Espírito Santo, que envolve mais de 4000 particulares que investiram 434 milhões de euros em 2101 aplicações financeiras da Rioforte e da ESI, encontram-se realidades muito distintas, desde os que aplicaram o mínimo de cem mil euros nestes produtos aos que aplicaram três, quatro e até seis milhões – este último, o valor máximo.
A maioria das aplicações em causa, porém, são as de valor mínimo, ou seja, de cem mil euros, nas quais se encontram perto de 55% dos lesados. Alargando até aos 250 mil euros, encontramos já 83% dos afetados, valor que passa os 90% quando analisamos o total de investimentos até aos 400 mil euros.
Com a maioria dos lesados concentrados nos patamares mais baixos de exposição ao papel comercial, a proposta apresentada nesta semana pelo grupo de trabalho promovido pelo governo acaba por surgir com custos que, espalhados por três anos, limitam o risco de esta solução vir a contaminar as contas públicas de forma ameaçadora, mesmo que no final do processo acabem por ser incluídos no défice.
Assumindo como cenário que todos os lesados aderem à solução nos moldes atuais, então o veículo que vai ser criado para restituir as verbas aos lesados terá de devolver-lhes 86 milhões de euros já em maio do próximo ano – 30% do total investido pelos particulares nestes produtos. O valor equivale a pouco mais de 0,045% do PIB. Nos dois anos seguintes, falamos de cem milhões de euros a pagar em 2018 e outro tanto em 2019, ou seja, 0,053% do PIB.
Estes valores serão pagos por um veículo que vai ser criado para “comprar” os créditos dos lesados, com desconto. Estas compras serão financiadas através de financiamento bancário, num valor que dependerá do total de adesões: caso as adesões se fiquem pelos 90%, por exemplo, os custos anuais devem ficar abaixo dos 90 milhões de euros. Mas este financiamento será obrigatoriamente garantido pelo Estado, operação que, em si, implica logo um custo – e que vem somar-se aos já muitos milhares de milhões de euros que o Estado vai acumulando em garantias cedidas à banca.
Mas além dos custos com a disponibilização da garantia e o risco de as verbas restituídas virem a ser contabilizadas no défice, há também que considerar os 285 milhões de euros em perdas que os lesados sofrem com a proposta colocada nesta semana em cima da mesa – o veículo vai comprar os créditos dos lesados com um haircut de 25% a 50%.
Estes 285 milhões são um valor que o Estado poderá vir igualmente a saldar junto dos lesados. A solução apresentada nesta semana abre a porta a que os investidores sejam compensados pelo haircut que sofrerem através do acesso à dedução fiscal dessas perdas. O documento firmado entre governo, autoridades e associação admite que venha a ser permitido que os lesados tenham acesso a deduções fiscais no valor exato das suas perdas, ou seja, até 285 milhões de euros.
Conforme refere o documento sobre o acordo, a “presente solução” ainda pode ser complementada por propostas comerciais, onde os lesados podem reinvestir, “bem como se encontra em análise a possibilidade de assegurar aos investidores não qualificados em papel comercial a dedução fiscal das perdas sofridas até ao capital investido”.
Além da restituição de parte do dinheiro investido e de eventualmente ter direito a deduções fiscais, quem aceitar a solução nesta semana apresentada vai ceder não só os direitos sobre os créditos do papel comercial, mas também os créditos contingentes sobre o BES, o Fundo de Resolução e quaisquer outros créditos indemnizatórios, incluindo sobre seguradoras. A adesão implica igualmente abdicar do direito a avançar contra o Novo Banco, o Banco de Portugal, a CMVM, o Fundo de Resolução e futuros acionistas do Novo Banco.