OE2017. Tarifa social da água avança mas câmaras definem descontos
Proposta do Bloco para harmonizar condições e tornar automático acesso à tarifa social da água vai avançar e beneficiários devem disparar em janeiro
in: Dinheiro Vivo, 14 outubro 2016
O Orçamento do Estado para 2017 (OE17) traz alterações para as tarifas sociais previstas ao nível dos serviços básicos. Depois da luz e do gás, chega a vez de alargar significativamente os beneficiários de tarifas sociais nas faturas da água.
O documento, que hoje será entregue no Parlamento, vai definir a constituição de um regime para as tarifas sociais da água, de forma a harmonizar algo que até agora é tratado individualmente pelas autarquias – cada uma com diferentes critérios de atribuição. A matéria foi recentemente alvo de um projeto de resolução do Bloco de Esquerda, partido também responsável pelo alargamento das tarifas sociais na eletricidade.
A ideia para a tarifa social na água é replicar o que aconteceu na luz e no gás. Os critérios de atribuição das tarifas sociais serão harmonizados – e equiparadas às agora previstas para a luz – e a sua atribuição passa a ser automática. Considerando a experiência recente com a eletricidade – beneficiários passaram de 140 mil para 640 mil – é expectável que o total de beneficiários de tarifas sociais para a água dispare já a partir da fatura de janeiro – o alargamento na eletricidade demorou três meses a ser operacionalizado.
Apesar da definição de critérios harmonizados e da atribuição automática das tarifas sociais, estas alterações vão no sentido de respeitar a autonomia das câmaras no que toca aos serviços de abastecimento da água, razão pela qual o alcance destas tarifas não será, no imediato, as quase 650 mil famílias que passaram a ter direito a descontos na luz. E razão também pela qual não é possível antecipar o total de beneficiários destas alterações no curto-prazo.
A atribuição de uma tarifa social é uma possibilidade que a maioria das autarquias já oferece, ainda que de forma limitada, mas não todas. Na maioria que já oferece a tarifa social, os beneficiários deverão crescer bastante. Nas restantes, cada uma decidirá por si, já que as alterações não acarretam qualquer obrigatoriedade de criação destas tarifas sociais. Essa será uma decisão que continuará a depender das autarquias. Da mesma forma que, e em relação às câmaras que já têm tarifas sociais ou vierem a ter, as mudanças também não implicam a imposição de um certo grau de descontos: a dimensão e a forma destes serão de responsabilidade de cada autarquia.
“A partir da experiência bem-sucedida com a luz, não há nada que justifique que a tarifa social para a água não chegue a quase ninguém. Caso haja acordo [a nível de OE], será uma boa notícia”, comentou Jorge Costa, do Bloco de Esquerda, depois de questionado pelo Dinheiro Vivo sobre o avanço destas alterações, que não quis confirmar.
No projeto de resolução do BE, entregue no final de setembro, o partido recomendou a disponibilização “às entidades municipais, intermunicipais e multimunicipais” dos mecanismos que permitiram a atribuição automática destas tarifas na energia, apontando que, à imagem do que acontecia com o gás e a luz, “a falta de informação e os entraves burocráticos constituem os principais fatores de inibição de potenciais beneficiários”. Esta proposta surgiu depois de o Bloco ter avaliado as respostas que mais de cem câmaras do Continente e Ilhas lhe fizeram chegar sobre o assunto.
Analisando estas respostas, é quase imediata a perceção de que os descontos sociais na fatura da água são ainda mais raros que o que se verificava com a luz: as mais de 80 respostas analisadas pelo DV mostram que estas tarifas não chegam sequer a 1,5% das 1,8 milhões de famílias que vivem nos municípios em questão e que os critérios de atribuição são muito díspares – há autarquias que as atribuem a quem ganhe até um salário mínimo e outros a quem ganhe até 50% do SMN. As alterações que OE17 irá trazer querem inverter isto: aumentar os beneficiários e harmonizar as condições de acesso.
Para se perceber o alcance que esta tarifa social pode atingir, basta ver que aos 1,5% de beneficiários hoje com tarifa social na água, contrapõe-se o alargamento conseguido com as alterações na eletricidade, que agora chegam a cerca de 10% das famílias em cada autarquia.
Este será o mesmo universo potencial a que a tarifa para a água pode chegar. Mas para isso, e ao contrário da eletricidade, será preciso que as autarquias que ainda não oferecem estas tarifas sociais as passem a oferecer em 2017 – curiosamente um ano de eleições autárquicas. Os custos deste alargamento dos descontos ficarão a cargo dos operadores, sejam privados ou públicos.
As alterações na tarifa social da água não surgiram, porém, sem celeuma entre partidos à esquerda. Fonte do PCP ouvida pelo DN alertou que as mudanças podem acarretar o risco de algumas câmaras seguirem as recomendações da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos para os descontos nas tarifas sociais, algo que, diz a mesma fonte, “em alguns casos” até pode resultar “em aumentos de tarifas”. Note-se, contudo, que as recomendações da ERSAR não são vinculativas e que as câmaras com tarifas sociais em vigor mal as seguem.