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Raio-X às empresas do Estado. Quando um prejuízo de 700 milhões é boa notícia

As previsões para resultados, dívida ou EBITDA apresentadas pelas empresas nos orçamentos parecem ficção científica quando cruzadas com a realidade.

in: Dinheiro Vivo, 11 maio 2016

De janeiro a setembro do ano passado, as empresas públicas viram os prejuízos e as dívidas recuar, mas persistirem em níveis bastante elevados. Também em melhoria estiveram os resultados operacionais deste conjunto de entidades, que cresceram 20%.

Mas, apesar do tom geral ter sido de ligeiras melhorias, a verdade é que as contas das empresas públicas até setembro de 2015 ficaram bastante aquém daquilo que os seus gestores prometiam no arranque desse ano.

Os números divulgados na última semana pela Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial (UTAM), e relativos aos primeiros nove meses de 2015, mostram que as empresas públicas incluídas no Sector Empresarial do Estado registaram prejuízos de quase 700 milhões de euros entre janeiro e setembro do ano passado.

Este nível de perdas representa um buraco bem fundo que, porém, e tendo em conta o histórico do universo empresarial em causa, até acaba por ser positivo: Entre janeiro e setembro de 2014 as perdas no mesmo grupo de entidades tinham chegado aos 943,4 milhões de euros. Ou seja, o Sector Empresarial do Estado reduziu o total de perdas em 26% entre janeiro e setembro de 2015 face ao mesmo período de 2014.

Mas acompanhar as contas das empresas públicas como um todo continua a ser um exercício condenado a um desfasamento significativo entre o registo dos dados e a divulgação dos mesmos.

Este boletim informativo do Sector Empresarial do Estado relativo ao terceiro trimestre de 2015 da UTAM, por exemplo, surge com um intervalo de oito meses face à “radiografia” que divulga, isto quando o objetivo destes relatórios é “permitir avaliar a evolução da situação financeira e patrimonial das empresas públicas”.

Menos prejuízo e menos dívida mas (bem) longe do previsto

De acordo com o relatório da UTAM, em termos globais, e além da redução dos prejuízos em 26% que acima demos conta, o Sector Empresarial do Estado conseguiu até setembro reduzir em 5% o total de endividamento que arrasta às costas, sendo este um dos indicadores que mais tem penalizado as contas de algumas das empresas públicas, especialmente na área dos transportes, onde os encargos com juros continuam a dificultar a recuperação financeira.

Entre o final de 2014 e setembro último, a dívida das empresas públicas recuou 1,5 mil milhões de euros, de 35,2 mil milhões de euros para 33,6 mil milhões de euros. REFER, CP, Parpública e Águas de Portugal foram as empresas que mais reduziram o seu endividamento no período, contrastando assim com a Parvalorem, Metro do Porto, Estradas de Portugal e Parups.

Mas se o recuo no endividamento global do Sector Empresarial do Estado é positivo, este acaba por ficar aquém do previsto pelas administrações das empresas, cujos orçamentos e planos de atividade entregues no início do ano apontavam para uma dívida global que em setembro estaria 300 milhões abaixo do valor efetivamente contabilizado pela UTAM.

Mas este tipo de desvios acaba por ser mais a “regra” do que a “exceção”. É que além dos objetivos para a evolução da dívida, também as restantes previsões presentes nos planos estratégicos das empresas entregues no lançamento de 2015 parecem ficção científica quando chega à altura de cruzar a previsão com a realidade.

Se a realidade das contas das empresas até setembro mostram prejuízos de 695,7 milhões de euros, no plano teórico das previsões o mesmo conjunto de empresas prometia chegar a esse mês com um prejuízo acumulado pouco acima de 100 milhões de euros, ou seja, menos 85%. “O resultado líquido das empresas públicas até setembro de 2015 foi de -696 milhões de euros, valor inferior ao objetivo expresso nos orçamentos das empresas em cerca de 594 milhões de euros”, aponta a UTAM.

A Águas de Portugal – aqui incluída como “empresa financeira” -, foi a empresa que contribuiu mais positivamente para a melhoria dos resultados líquidos do Sector Empresarial do Estado, ainda que através de resultados não recorrentes. Segundo a UTAM, a melhoria da AdP surgiu “essencialmente” devido “ao desempenho da rubrica de ‘juros e rendimentos similares’”, que disparou em 85 milhões graças à venda da EGF – Empresa Geral do Fomento.

Pela negativa, a quebra de 31 milhões de euros da Parpública, um decréscimo que se prende com a evolução do EBITDA [resultados antes de juros e impostos] desta entidade, especifica o relatório. “Entre as razões que levaram à redução do EBITDA da Parpública”, a UTAM destaca “o reforço da provisão para capitais próprios negativos da TAP em cerca de 29 milhões de euros” mas também “a inexistência de privatizações até 30 de setembro de 2015”, isto depois de em 2014 as vendas dos CTT e da REN terem impulsionado os números da empresa gestora das participações do Estado.

Resultados antes de impostos

Também ao nível do EBITDA se repete o cenário das previsões dos gestores do Sector Empresarial do Estado parecerem demasiado desfasadas da realidade. Os números globais do SEE para o ano passado até comparam positivamente com os registados em 2014 – foram 606,7 milhões de EBITDA até setembro, contra os anteriores 505,2 milhões -, mas olhando para as promessas das empresas no início de 2015, o caso muda de figura.

De acordo com os dados da UTAM, a previsão do SEE era de ultrapassar os mil milhões de EBITDA nos primeiros nove meses do ano, ou seja, mais 77% de EBITDA do que aquele que acabou por verificar-se. “O EBITDA das empresas públicas até ao final de setembro de 2015 ascendeu a cerca de 607 milhões de euros, valor inferior ao expresso nos orçamentos das empresas em aproximadamente 469 milhões de euros.”

Em termos individuais, nos resultados antes de juros e impostos o melhor comportamento entre janeiro e setembro de 2015 veio da Estradas de Portugal, que registou uma subida de 108 milhões de euros, graças sobretudo à evolução do volume de negócios da empresa, ou seja, impostos e taxas. “A EP registou o maior aumento do VN face ao verificado no período homólogo (…) tendo particular relevância o aumento de receita proveniente da contribuição de serviço rodoviário em face do aumento de 0,02 euros/litro contemplado no OE2015.”

Por outro lado, e ainda sobre a EP, a UTAM aponta o “aumento dos gastos operacionais em cerca de 121 milhões de euros” nesta empresa nos primeiros nove meses de 2015, atribuindo o mesmo “principalmente” pelos gastos com a construção rodoviária, em particular com as obras do túnel do Marão, inaugurado no último fim de semana.

Já em termos globais para todo o SEE, de salientar o recuo em 4% dos gastos operacionais ao nível do SEE e também a redução dos prazos médios de pagamentos das empresas analisadas “situando-se no final de setembro em 69 dias”.

Novo campeão da dívida dos transportes

Ainda com perto de 34 mil milhões de euros em dívidas no final de setembro de 2015 no balanço das empresas públicas, é no setor dos “transportes e armazenagem” que persiste a maior fatia destas, da quase total responsabilidade das transportadoras, com este segmento a ser responsável por mais de 21 mil milhões de euros de endividamento. Logo a seguir, mas a uma distância significativa, encontra-se as chamadas “empresas gestoras de património”, onde estão as sociedades “Par”, criadas para gerir o lixo do BPN, segmento que acumula mais de 5,1 mil milhões em dívidas.

Além destas sociedades Parups e Parvalorem, nas “empresas gestoras de património” contam-se ainda a Parque Expo, a SIMAB, duas Polis Litoral ou a EDM – Empresa de Desenvolvimento Mineiro, tendo este conjunto de empresas públicas sido dos poucos que viu engordar a dívida entre janeiro e setembro de 2015 – em 77 milhões de euros, ou 2%. A Parvalorem acaba por ser quase a única responsável pela dívida total deste segmento, sendo também a empresa pública mais endividada de todas, já que acumulava 4,36 mil milhões de euros em dívidas no final de setembro.

Mas é no setor dos transportes que reside a grande fatia da dívida do SEE e aqui os dados da UTAM mostram uma alteração histórica: como a CP conseguiu reduzir a dívida total em 604 milhões de euros entre janeiro e setembro do ano passado, para 3,53 mil milhões, acabou por ver o seu nível de endividamento ficar abaixo do Metro de Lisboa.

Segundo a UTAM, o metropolitano lisboeta cortou a dívida em apenas 56 milhões de euros no período considerado, pelo que acabou por saltar para a liderança das empresas de transportes mais endividadas, acumulando em setembro 3,76 mil milhões de euros de dívida.

Saúde com o maior desvio

As empresas públicas de transportes e armazenagem foram igualmente responsáveis pela maior fatia dos prejuízos acumulados pelo SEE no período, com perdas de 439 milhões de euros, ainda assim uma melhoria de 26% face aos 591,1 milhões registados entre janeiro e setembro de 2014.

Aqui é a vez do Metro do Porto surgir à frente de todas as transportadoras, culpa dos 215 milhões de prejuízos contabilizados pela UTAM nesta empresa, valor 15% abaixo das perdas do período homólogo. Segue-se a CP, com 107 milhões de perdas (melhoria de 33%) e a Refer, com 69,9 milhões de prejuízos. Com números no verde, só a NAV – Navegação Aérea (8,46 milhões) e a Estradas de Portugal (68,7 milhões).

Destaque neste campo para a TAP, campeã do desvio negativo entre a realidade e a previsão apresentada ao Estado: a transportadora aérea prometia chegar a setembro de 2015 com um lucro de 75 milhões de euros. Conseguiu um resultado 110 milhões de euros pior, ou seja, um prejuízo de 35 milhões.

Mas é no setor da saúde que se registou o pior desvio entre previsões e as contas reais de 2015, e também as piores evoluções de 2014 para 2015, realça a UTAM. “O setor da Saúde registou o maior desvio de previsão negativo, cerca de -491 milhões de euros. O resultado líquido deste setor nos primeiros nove meses de 2015 apresenta ainda um decréscimo de 22 milhões de euros face ao valor registado no mesmo período do ano passado”, diz o relatório.

As empresas públicas de saúde passaram de um prejuízo de 161,7 milhões para perdas de 184 milhões em 2015, um agravamento de 14% só superado pela empresa pública do setor da construção, leia-se a EDIA – Alqueva, que passou de ganhos de 10 milhões para perdas de 13,3 milhões – uma deterioração no entanto esperada, já que em linha com as previsões apresentadas no início do ano pela EDIA.

Na Saúde, a má evolução dos resultados líquidos acaba por contrastar com a evolução do endividamento global, já que este setor conseguiu cortar a dívida em 77% desde o final de 2014 e até setembro de 2015. Se em dezembro de 2014 havia 1,240 mil milhões de euros de endividamento, em setembro de 2015 este valor estava reduzido a 279 milhões de euros, a melhor evolução em termos relativos entre todos os setores do SEE.

Liquidez e rentabilidade

A UTAM analisou ainda os vários indicadores de liquidez, rentabilidade e endividamento do SEE entre janeiro e setembro de 2015, salientando que “em termos globais, o fundo de maneio foi de cerca de 1,7 mil milhões de euros para o total das empresas públicas”.

Apesar do valor global, há quatro setores onde o “fundo de maneio” é negativo – comunicação, saúde, empresas financeiras e cultura -, com as empresas financeiras, onde se inclui a Parpública, a merecerem o destaque pela negativa, já que assistiu a uma queda de 1,2 mil milhões de euros neste indicar nos nove meses de 2015 contabilizados – de 557 milhões negativos para 1,79 mil milhões.

Já em termos de rentabilidade, continuamos nas sociedades cujo nome começa em “Par”. Se a nível global o SEE apresenta uma margem bruta de 76% das vendas, o oposto acontece tanto com a Parups como com a Parvalorem, “cujas vendas se realizam por vezes com menos valias ou abaixo do custo de aquisição”, apresentando por isso margens brutas negativas, diz a UTAM.

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