Governador diz que Novo Banco está a atuar dentro da Lei. Mas deixa alerta: as reestruturações na banca vão continuar
in: Dinheiro Vivo, 7 maio 2016
O governador do Banco de Portugal (BdP) fez ontem a defesa da administração do Novo Banco no Parlamento, assegurando que esta se tem movido dentro dos quadros legais previstos para avançar com a redução de pessoal dos últimos meses. Mas chamou a atenção: “O BdP não é um Tribunal de Trabalho. Cabe às instituições competentes avaliar os fundamentos de reclamações.”
Carlos Costa, presente na Comissão do Trabalho e Segurança Social, apontou aos deputados que o mandato conferido à gestão de Stock da Cunha impõe “conformar-se com o quadro legal do país”, sendo que não chegou ao supervisor qualquer indicação de violações da Lei pelo Novo Banco.
“As partes interessadas podem acionar os mecanismos para fazer valer os seus direitos mas o BdP não se pode substituir às instituições cuja função é fazer cumprir as regras laborais.” E foi mais longe: “Não sou jurista mas não é seguro que aquilo que veio a público configure um problema de violação do quadro legal… Mas isso é uma questão para os tribunais, o BdP já tem demasiadas obrigações e não precisa de ser um Tribunal do Trabalho.”
Carlos Costa foi chamado à AR para comentar o processo de despedimentos do Novo Banco e as notícias sobre as formas que o ex-BES tem recorrido para esse emagrecimento, formas que já motivaram à apresentação de uma denúncia por parte do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas à Autoridade para as Condições do Trabalho. O Inspector-geral do Trabalho, Pedro Pimenta Braz, avançou já que a autoridade está “a acompanhar a situação” e que já se deslocou aos locais em questão.
Também o Novo Banco reagiu à multiplicação de notícias sobre as queixas que as rescisões e despedimentos na instituição têm motivado, tendo ontem enviado um comunicado a assegurar que o despedimento coletivo deverá abranger um número de trabalhadores “claramente abaixo dos 100” e que a fase de rescisões por mútuo acordo está “quase terminada”. Agora, o grupo “tomará as decisões respeitantes à próxima fase do processo de reestruturação”. “O trajeto até aqui percorrido permitirá que um despedimento coletivo, em Portugal, fique claramente abaixo dos 100 trabalhadores”, apontou o Novo Banco.
Mais despedimentos
No âmbito dos auxílios de Estado recebidos pelo antigo BES, ficou acordado entre as autoridades portuguesas e a Comissão Europeia que este banco de transição deve reduzir mil efetivos, em comparação com o total de pessoal de novembro de 2015, até ao final do ano. Mas este número pode ainda crescer, basta para isso que o Novo Banco não seja vendido.
Segundo explicou Carlos Costa, o Novo Banco terá que avançar com uma nova redução de trabalhadores caso se mantenha como banco de transição até junho de 2017, não tendo detalhado quantos trabalhadores poderão ser visados nesta eventual segunda vaga de cortes no ex-BES. “Se o Novo Banco continuar um banco de transição a 30 de junho de 2017, os compromissos assinados com as instituições europeias obrigam a uma nova redução” no total de efetivos. Questionado sobre quantos trabalhadores poderiam ser cortados nessa altura, Carlos Costa apontou que “não pode revelar o número”, já que o plano “está ao abrigo da confidencialidade”.
O supervisor ainda declarou à comissão que a resolução do BES e criação do Novo Banco não foi o catalisador da reestruturação exigida a este último, garantindo que mesmo que a instituição fosse de privados estes cortes seriam necessários, já que em causa estão os rácios de solvabilidade da instituição. Ainda assim, admitiu, “um banco que resulta de uma resolução é aquele que tem o pior ponto de partida, já que traz consigo uma mochila com todas as dificuldades do banco cessante”. Mas mesmo em pior situação, o Novo Banco não se distingue muito do setor. Reestruturar “é um processo porque vão passar todos os bancos onde só se diferencia a escala”.
Cortes na banca só no início
O governador do banco central aproveitou a passagem no Parlamento para chamar a atenção que apesar da atenção mediática do ex-BES, a necessidade de cortar pessoal é comum a quase toda a banca europeia e que no caso português tal é ainda mais urgente. Justificou esta posição com as configurações específicas do setor em Portugal: “Os bancos portugueses em geral têm um problema de sobredimensionamento face ao negócio disponível.”
Carlos Costa realçou de seguida que o futuro desta tendência de cortes na banca “ainda não é muito clara” mas que está certo que a fase “ainda não está concluída, já que os níveis para se obter uma rentabilidade sustentável do setor financeiro ainda não foi alcançado”. Ainda sobre Portugal, disse que os cortes têm sido “de maior intensidade” do que na Europa porque o setor “está em 2 ou 3 lugar no número de balcões por habitante e com um maior nível de colaboradores por habitante em comparação com a média europeia”.
“Todos os bancos hoje estão confrontados com um problema, que é o da sustentabilidade do modelo de negócio, redução de custos e a obtenção de capital para financiar a readaptação que precisam de fazer”, apontou o supervisor. “Uma urgência que é tanto maior quanto o ponto de partida é menos favorável” e, reforçou, “os bancos portugueses estão em pior situação” que os pares europeus. “Adaptaram-se a um cenário de volumes de crédito bem superiores aos atuais e a custos unitários muito superiores ao possível em contexto de mais concorrência.”
“Nesta situação têm de compreender que o sistema financeiro seja hoje um motivo de preocupação, todos precisam de fazer grandes reestruturações, rever o modelo de negócio e posicionar-se de forma a assegurar que são sustentáveis”, continuou. E rematou: “É preciso compreender que o sistema financeiro europeu, português e de outros países, vai passar por uma fase de alteração do modelo de negócio.”
O meu é maior que o teu
O governador não se coibiu ainda de olhar para as práticas passadas da banca para fazer a crítica de tudo o que levou – ou potenciou – a crise atual do setor. “Se era possível terem tido mais cautela? Claro. Mas o ambiente era de euforia e subestimação de risco para maximizar os dividendos”, apontou Carlos Costa.
“Há sete/oito anos, o grande concurso era o da apresentação de resultados trimestrais e ver qual é que batia recordes”, disse aos deputados, criticando uma postura que, enumerou, levou os bancos a abdicar das almofadas de segurança em prol dos dividendos. “Nos tempos em que se deviam ter reforçado, enfraqueceram-se, assumindo mais riscos do que o desejável. Foi a euforia de resultados e dividendos, privilegiando o presente a troco do futuro.”