Colapso do GES encheu o Banif de imparidades e o insucesso da venda do Novo Banco alarmou as autoridades europeias
in: Dinheiro Vivo, 2 abril 2016
Na primeira semana de audições da comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao processo que conduziu à venda e resolução do Banif, os deputados ouviram quatro responsáveis ligados à gestão do banco: Marques dos Santos, líder entre 2010 e 2012, Jorge Tomé e Luís Amado, CEO e chairman do banco nos anos seguintes, e António Varela, o administrador nomeado pelo Estado que avançou para o Banco de Portugal no final de 2014.
“Um banco péssimo”
O Banif aquando da capitalização em 2012 era um banco em mau estado, sem sistemas informáticos de qualidade nem procedimentos para controlo de risco. “Em 2012, o Banif era um banco muito, muito mau, um banco péssimo”, explicou António Varela. “Enquanto os bancos foram reduzindo de dimensão, o Banif duplicava de tamanho, com investimentos completamente disparatados no Brasil, em Espanha e outras geografias.” Em termos de crédito, Varela encontrou “uma carteira, concentrada em meia dúzia de clientes, de elevadíssima exposição a imobiliário e critérios duvidosos”.
O estado em que a gestão encontrou o banco depois da capitalização era tal que, para Jorge Tomé, o cenário “compromete significativamente a supervisão feita pelo Banco de Portugal entre 2008 e 2011”. O Banco de Portugal já estava consciente dos erros cometidos, daí ter pedido em junho de 2013 “uma auditoria especial de âmbito forense” à gestão do banco entre 2007 e 2012, para apurar o respeito por princípios “da gestão sã e prudente” e “identificar situações indiciadoras de irregularidades”.
A capitalização, no entanto, justificava-se: sem a mesma, o Estado perderia 1,2 mil milhões em obrigações do banco. Mas aqui também o peso regional foi determinante, disse Luís Amado. O banco tinha 35% do mercado nos Açores e 26% na Madeira, facto que conjugado com o período que se vivia em pleno resgate levam Amado a ver como “correta” a capitalização.
“Contornar supervisão”
Das audições desta semana ficou também evidente o peso que o Grupo Espírito Santo (GES), primeiro, e o Novo Banco, depois, tiveram no Banif. As imparidades provocadas pelo colapso do GES pesaram nas contas do banco, facto agravado pelas práticas concertadas entre os bancos: dadas as limitações legais para financiar os próprios acionistas, o BES e o Banif montaram um sistema em que os primeiros davam crédito à família de Horácio Roque e o Banif dava crédito à família Espírito Santo. Isto “não é mais do que enganar o regulador”, detalhou António Varela. “O Banif foi apanhado numa operação cruzada do GES, cujo impacto atingiu 119 milhões”, explicou Jorge Tomé. Foi este impacto que impediu o banco de pagar “a última tranche” dos instrumentos híbridos subscritos pelo Estado, o que colocou o Banif em incumprimento.
Seguiu-se depois o Novo Banco: “Se o calendário tivesse sido cumprido, o problema do Banif teria uma solução muito mais fácil”, referiu Luís Amado à CPI. A incapacidade de as autoridades portuguesas resolverem o Novo Banco “condicionou a capacidade de negociação” perante as entidades europeias, já de pé atrás em relação ao Banif desde o primeiro dia.
“Notícia criminosa”
As perdas e as incertezas em torno do Banif foram agravadas na reta final pela “notícia criminosa” da TVI, que a 13 de dezembro assegurava que a resolução estava iminente – espécie de profecia autor realizável. Depois da notícia, fugiram 960 milhões em depósitos. “Foi claramente a notícia da TVI que arruinou a liquidez do Banif, que viu 16% dos depósitos desaparecer em cinco dias”, explicou Jorge Tomé. “Uma má notícia, inimaginável”, que “agravou ainda mais, e de forma dramática, a situação de liquidez, e foi neste contexto que a resolução surgiu”, concorda Luís Amado. “Uma notícia criminosa”, sem a qual o Banif teria pesado bastante menos nos contribuintes, defendeu António Varela.