Resolução e venda “ganhou” ao banco de transição porque seria executado ao longo de vários meses. Mas acabou por avançar à pressa
in: Dinheiro Vivo, 2 abril 2016
A importância de ter um plano de contingência pronto para qualquer eventualidade no Banif foi uma das primeiras preocupações das autoridades, com o Banco de Portugal a elaborar e a atualizar alternativas a ser ativadas caso a situação se deteriorasse. As opções eram estudadas desde a altura em que Banco de Portugal e o Ministério das Finanças debatiam a injeção de capital, na viragem de 2012 para 2013.
A 15 de novembro de 2012, Carlos Costa, governador, assegura ao ministro que o Banif é viável e que o avanço no imediato para uma resolução – com a criação de um banco de transição à imagem do que viria a acontecer com o BES e o Novo Banco – iria exigir algo como 2500 a 4600 milhões de euros, dependendo do cenário ser mais ou menos adverso. O montante recairia, sobretudo, nos contribuintes, dada a falta de verbas do Fundo de Resolução. A capitalização acabou por avançar e desde então não mais o Banco de Portugal deixou de atualizar os cenários.
Banco de transição: riscado
Foi já com Maria Luís Albuquerque nas Finanças que Carlos Costa e a tutela mais debateram as opções. A 25 de outubro de 2013, ainda tudo corria de forma positiva com o Banif, o governador escreve à ministra mostrando-se confiante de “que será possível alcançar um acordo com a Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia”. Ainda assim, e “sem prejuízo de continuar a considerar que a solução de capitalização é a que melhor preserva a estabilidade”, o banco central explica que “tem intensificado os trabalhos de preparação de um plano de contingência”, agora já “substancialmente diferente” do preparado aquando da capitalização. “Entendo crucial que o BdP disponha de uma estratégia de contingência definida, que possa ser executada a qualquer momento”, responderia a ministra.
O plano do Banco de Portugal foi elaborado com o apoio da consultora Oliver Wyman, que irá à comissão de inquérito na segunda semana de abril. Foram colocados quatro cenário: liquidação, nacionalização e duas hipóteses de resolução do Banif. Carlos Costa conclui: “Em face dos resultados e conclusões, entende-se que a venda do Banif em contexto de resolução seria a solução preferível para a intervenção”, diz à ministra na carta. E detalha que “a estratégia selecionada para intervir junto do Banif (…) passa pela venda do património e da atividade do banco no mais curto espaço de tempo possível”. Quanto ao banco de transição, opção mais defendida nos últimos meses de vida do Banif, essa é riscada: “O cenário de criação de um banco de transição afigura-se potencialmente mais oneroso e com necessidades de financiamento de curto prazo mais elevadas”, diz.
Nacionalização: 2700M€
A ministra responderia em dezembro de 2013, apresentando “lista de comentários, observações e questões” para análise mais aprofundada pelo Banco de Portugal. Nestas, a nacionalização é ignorada. Também o banco central não se alonga muito a estudar a viabilidade da mesma. Apesar de ser a opção que menores custos apresentava, foi a menos discutida. A nacionalização custaria 2,7 mil milhões de euros e exigia 900 milhões em necessidades de financiamento. Mas a alternativa chocava com a posição de princípio assumida pelo então governo – não fazer os contribuintes pagar. A nacionalização seria o oposto disso e Carlos Costa assume-o: “Além do prejuízo que poderia causar à imagem do sistema financeiro, esse cenário será aquele em que a partilha de perdas seria a menos adequada, uma vez que seria o Estado a assumir grandes perdas”, aponta na carta à ministra. Além disso, a alternativa era de difícil compatibilização “com as obrigações do Estado à luz do PAEF e com as regras comunitárias”.
A resposta das Finanças à carta de outubro do Banco de Portugal surge com 24 tópicos, com dúvidas e pedidos de esclarecimento adicionais – quase todas focadas na hipótese de resolução do banco. As respostas chegam em fevereiro de 2014, numa missiva em que Carlos Costa assegura a Maria Luís ter já “um nível de prontidão adequado” e estar “em condições para executar a estratégia de contingência com eficácia a qualquer momento, sem prejuízo do curto período que será inevitavelmente necessário para a operacionalização efetiva de algumas medidas” – o que provavelmente não seria o caso, como veremos adiante.
Resolução e venda: 2800M€
Este era o cenário preferido por Carlos Costa em outubro de 2013 e que viria a singrar quando se chegou a dezembro de 2015. Na altura, os seus custos foram avaliados em 2,8 mil milhões, além de mil milhões para financiamento imediato. Esta opção tinha uma vantagem óbvia: era definitiva. Mas também tinha problemas óbvios, reconhecidos pelo Banco de Portugal e pelas Finanças ainda no final de 2013: obriga a uma venda apressada e, logo, a um preço reduzido.
Apesar de ser então a opção preferida pelo BdP, e ao contrário do que veio a verificar-se, o banco central defendia este cenário ao invés do banco de transição no caso em que a resolução e venda ocorressem em dois tempos distintos e de forma transparente e competitiva, o oposto do que aconteceu. “A venda do Banif em contexto de resolução deverá ser feita através de um processo aberto, competitivo, transparente e não discriminatório, o que não só reforça a posição negocial do vendedor, como constitui requisito essencial para que se assegure a conformidade com as regras comunitárias”, diz Carlos Costa à ministra. Na altura em que escolheu a resolução e venda como o melhor plano B, o banco central calculou que entre a resolução e a venda deveriam passar entre dois a seis meses, tempo de criar “um processo de venda aberto e competitivo”, durante o qual a atividade do banco seria assegurada. Em dezembro de 2015, porém, a resolução e venda do Banif ocorreram num só momento e com a escolha do Santander Totta sem concurso.
Transição e liquidação
Entre os outros cenários estudados em 2013 e 2014 pelo Banco de Portugal estava também a liquidação. A vantagem seria “uma partilha de perdas mais adequada”, incluindo pelos depositantes, mas os custos totais para a economia eram enormes: por um lado, o custo era de 5,3 mil milhões, além de necessidades de financiamento imediatas de 5,6 mil milhões. Depois, havia o risco de contágio e o abalo no sistema. Riscado.
Já o banco de transição apresentava custos próximos da opção pela resolução e venda, na ordem dos 3 mil milhões, além de 1,5 mil milhões de financiamento de curto prazo. Contudo, e colocada em comparação com um cenário em que o Estado resolvia o Banif e avançava com um processo adequado de venda dos ativos, acabou por ficar para trás na avaliação do banco central e da Oliver Wyman apresentada às Finanças. “A venda em dois passos apresenta vantagens claras face ao banco de transição”, refere a apresentação destas alternativas feita em janeiro de 2014. “Reforça a posição negocial face a interessados na venda.”
Preparado, ma non troppo
Apesar das opções terem sido analisadas e atualizadas quase em permanência desde 2012, a rápida sucessão de eventos que num mês levou ao colapso do Banif – 17 de novembro a 20 de dezembro – acabou por desmentir o estado de “prontidão” para qualquer eventualidade que Carlos Costa assumia. “Atentos os prazos com que estamos a trabalhar, não é possível manter em aberto múltiplos cenários”, admite a chefe de gabinete de Carlos Costa a André Caldas, homólogo nas Finanças num e-mail de 10 de dezembro de 2015. O tempo apertava e já não era possível avaliar todos os cenários.
As autoridades europeias ameaçaram com a retirada do estatuto de contraparte ao Banif e entregaram um caderno de encargos aos “decisores” portugueses: ou vendem o Banif ou este não abre as portas no dia 21 de dezembro. A resolução e venda ao Totta acabou por ser imposta por exclusão de partes, pondo em causa o plano B preferido pelo BdP: A venda e resolução em dois momentos espaçados por dois a seis meses foi trocada por uma venda e resolução feita em dois dias.