Os swaps há muito que preocupavam o Santander em Espanha, que em 2006 já rejeitava contratos semelhantes em Madrid
No final de 2008 e depois de subir a taxa para 4,25%, o Banco Central Europeu em menos de um ano corta a taxa até 1% e a bomba-relógio nas empresas públicas é ativada. Os swaps snowball [infografia], assinados entre 2005 e 2007 começaram a acumular perdas com os juros abaixo do limite negociado – 1,5%.
Esta teria sido a altura ideal para renegociar. E o Santander em Espanha estava ciente disso, tanto que desde junho de 2008 que já não os aprovava, dada a preocupação com os impactos, financeiros e reputacionais, dos mesmos. Nesse mês, curiosamente, e perante o acentuar da crise, o Santander português (BST) enviava aquilo que o tribunal inglês viu como e-mails “tranquilizadores” às empresas de transportes, salientando-lhes que “as barreiras dos swaps ainda estão muito longe de serem violadas”. Mas de Espanha, as ordens já eram de oferecer soluções.
Na altura, em 2008, as perdas potenciais atingiam os 140 milhões e as recomendações eram claras: acompanhamento total a todos os clientes com produtos derivados, incluindo propostas de renegociação. Ainda em 2007, Madrid pedia já ao BST uma “gestão dinâmica de todas as operações, durante a sua vigência, de forma a disponibilizar ao cliente alternativas, nomeadamente quando está a acumular perdas”.
Os responsáveis do BST defenderam que nunca ninguém impediu as empresas de apresentar propostas ou renegociar os swaps -da mesma forma que ninguém as obrigou a aceitar, diga-se. Mas a ordem de Espanha era clara: “Provavelmente, à luz do relacionamento que então existia entre o setor público e o banco, e a natureza complexa dos swaps, em 2007 o BST recebeu instruções expressas de Espanha para ter um papel ativo nesse sentido”, diz o tribunal. Mas também as empresas deviam ter feito algo, refere.
Em dezembro de 2008, o Totta reconhecia a falha. O diretor de corporate e investment banking envia um e-mail à responsável pelos contratos: “Recordo que durante a negociação dos contratos dizemos sempre aos clientes que os vamos acompanhar e propor alternativas que se ajustem à evolução do mercado. É natural que o vosso cliente se sinta bastante desapontado com a nossa incapacidade de apresentar alternativas.” As propostas já deviam ter seguido e, quando foram, em 2009, eram piores que o soneto, segundo o especialista validado pelo tribunal.
Omissão e sofisticação
As preocupações de Madrid com estes swaps e as empresas portuguesas já vinham de trás. Em 2006, o departamento de risco de crédito alertava mesmo que o primeiro swap do Metro do Porto inclui “uma estrutura equivalente a outros que o banco tem rejeitado em Espanha por ser muito especulativo e ter um risco reputacional que não queremos”.
Este medo do “risco reputacional” para o Santander levou a que, no verão de 2007, Espanha tivesse reforçado as exigências para incluir testes de stress a enviar aos clientes para estarem cientes da dimensão dos riscos. Então, apenas dois dos nove contratos não tinham sido fechados e os anteriores não tinham tido análises a cenários extremos. Em 2007, um destes “cenários extremos” foi avaliado pelo Société Générale para o swap da STCP que comunicou ao BST: “Num cenário de stress, as suas perdas podem atingir 389 milhões de dólares. Por favor confirme que o vosso cliente recebeu esta informação.” Mas não recebeu. “Estamos cientes da transação que queremos fechar”, disse o Totta. Esta foi uma omissão preocupante, diz o tribunal.
Sem nunca concluir que o Totta atuou contra os interesses das empresas, e salientando que os swaps até eram benéficos para as mesmas quando assinados, o tribunal aborda a pressão das vendas. “Mantenham um cerco muito apertado sobre os CFO”, consta num e-mail do BST sobre a negociação dos swaps, algo que, diz o juiz ,“não abona muito a favor do banco”. Além disto, havia as metas que o BST tinha para cumprir: “O mercado dos derivados é essencial para sermos players no segmento de grandes empresas em Portugal e a única forma de cumprirmos com o orçamento”, reflete um memo interno do BST de agosto de 2007. Para as empresas, esta vontade de cumprir foi o que as tornou num alvo.
As empresas queixam-se de outra omissão do BST: os dados históricos sobre os swaps e os testes de stress apresentados – sem cenários extremos – não permitiram perceber os riscos. Algo com maior impacto ainda se, como as próprias dizem, “as empresas não são sofisticadas o suficiente”. O tribunal diz, porém, que nada disto implica (ou desresponsabiliza) desconhecer os riscos, ainda que concorde com a falta de sofisticação nas empresas. “Não tinham um nível particularmente alto de sofisticação financeira, muito menos ao nível de departamentos de derivados.”
Mas uma coisa é a falta de sofisticação, outra é não ver os riscos. E estes eram visíveis: uma comunicação interna do Metro do Porto a elogiar o potencial dos swaps sublinha também o “perfil de risco muito muito agressivo” dos produtos. Depois há a ingenuidade: no Metro do Porto, a empresa achou que os snowball eram uma prática comums. Mas não eram, nem nunca foram, e para as empresas este erro prova a ingenuidade dos gestores perante os produtos. Mas quanto a isso, nada a fazer. “Os departamentos financeiros deviam ter conhecimentos suficientes para lidar com as tarefas da gestão financeira”, diz o tribunal. Não era o caso: sem testes de stress extensos, as empresas fizeram análises de risco aos swaps. “Rudimentares e inadequados”, diz o tribunal sobre as análises, por exemplo, da Carris.
Também não é de somenos os incentivos que os ganhos iniciais dos contratos trouxeram às empresas – poupanças com o custo da dívida -, ganhos que até levaram a elogios do Tribunal de Contas e da Inspeção-geral de Finanças aos contratos de Carris ou Metro do Porto. Mas estas seriam alvos fáceis: confrontados com “financiamento público insuficiente e a incapacidade de subir tarifários”, as empresas dependiam de “largas e crescentes dívidas para financiar operações e investimentos”, lembrou o Totta ao tribunal. Isto aumentou o apetite por produtos que reduzissem o custo da dívida, mesmo que não os entendessem inteiramente. Não entendendo a real dimensão dos riscos, porque assinaram os mesmos então? Para o tribunal, há um detalhe que pode responder: “As tarefas de gestão de dívida nas empresas eram possíveis, ou mais facilitadas, porque sabiam, no fundo, que em último caso teriam o apoio do Estado português.” E assim foi. Isso e o facto de na altura da assinatura dos contratos ninguém achar possível que as taxas de juro recuassem até 1% e por tanto tempo.
in: Dinheiro Vivo/DN/JN, 19 março 2016