OE 2016. As oito escolhas, as sete farpas e o topete de Centeno
Centeno apresentou as oito escolhas do Orçamento “que faz falta” e Montenegro falou no “plano B” que lhe falta. Pediu ainda um imposto sobre o topete
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Esta quarta-feira decorreu a sessão que, independentemente do “eventual-quando-ou-se” Plano B, encerrou o primeiro ciclo orçamental do governo socialista. O apoio “geringonçal” ao documento confirmou-se, os trabalhos na especialidade serviram para integrar 135 propostas no Orçamento do Estado e o PSD garantiu que o “Plano B” vai ser implementado “já amanhã”.
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Como não poderia deixar de ser, a sessão que encerrou os trabalhos parlamentares para a aprovação do OE ficou, mais uma vez, marcada pelo habitual jogo dos soundbytes – ou seja, ‘soundbitaites’ – entre oposição e governo.
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Luís Montenegro, do lado do PSD, falou em “chico-espertismo arrogante e saloio” e Mário Centeno, o ministro que fechou hoje o seu primeiro OE, defendeu que o PSD “não merece um novo tempo”, reforçando e atualizando as críticas que já antes tinha deixado aos seus antecessores.
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Imposto sobre o topete
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Luís Montenegro foi então o responsável pelo encerramento do debate do OE do lado do PSD. Além da promessa de um “Plano B” já amanhã, Montenegro regressou não só a José Sócrates como também a António Guterres para assegurar que as governações socialistas passam sempre faturas ao futuro. Rotulou ainda de “chico-espertismo arrogante e saloio” a alteração ao artigo sobre apoio à Grécia e Turquia – que PSD iria chumbar apesar de concordar.
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Depois, veio o topete.
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“Como é possível que, à boleia da situação económica e financeira que herdaram, tenham o topete de dizer estão a eliminar a austeridade? Se esse topete pagasse imposto, não era preciso obrigar pessoas e empresas a pagar o mais brutal aumento de impostos”, atirou Luís Montenegro – agora provavelmente regressando a Vítor Gaspar.
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E em relação ao OE propriamente dito? “É mau”; “Não tem emenda”; “É mau para o país”; “É mau para a economia”; “Não é amigo das empresas”; “Não é solidário”; “Demasiado precário”; “Demasiado irrealista”; “É revanchista”; “Oportunidade perdida”; “Não vai ser cumprido” ou “um presente envenenado”.
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Negou por fim que o PSD tenha feito birra em não apresentar qualquer proposta de alteração ao documento.
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As farpas
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Ao discurso de Montenegro, seguiu-se a vez de Mário Centeno tomar a palavra para o discurso que, no fundo, marcou o encerramento dos trabalhos do OE – trabalhos que entre planos orçamentais, planos “se ou quando”, erratas, correções, alterações, discussões e análises e contra-análises já aparentavam intermináveis.
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Talvez por isso – ou então porque os serviços da Direção-Geral do Orçamento têm cada vez menos pessoal -, o governante começou precisamente por saudar os serviços públicos envolvidos na elaboração do documento. Depois, virou baterias para o PSD e ao anterior governo.
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“Quem, nesta fase tão relevante da nossa democracia, decidiu alhear-se, escreveu uma página de ausência no esforço coletivo de construção de uma sociedade mais justa e coesa”, atirou sobre a decisão do partido mais votado nas últimas eleições de ser o único a não apresentar propostas de alteração ao OE. Dedicaria ainda uma segunda (e terceira) farpa a esta opção: “Não é compreensível que alguém se demita de tamanha e tão nobre responsabilidade, que é a de representar os seus concidadãos.”
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Depois, olhou para o anterior governo: Centeno lembrou os anos em que Portugal esteve sujeito “a medidas de austeridade cegas”, criticou os “milagres austeritários” de quem governou nas “costas dos cidadãos, através de operações financeiras não concluídas” e recordou que nem “tão-pouco” foram defendidos “os interesses dos portugueses e de Portugal” a nível europeu.
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Mário Centeno lembrou ainda as previsões do anterior governo para 2016 – cujo plano de estabilidade antecipava uma “crescimento de receita do IVA de 7,2%” -, para, no fundo, criticar a crítica de Montenegro: “Como se pode falar agora num enorme aumento de impostos?”
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As escolhas
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Mário Centeno voltou então ao “seu” OE para apresentar as escolhas a que o mesmo obedeceu. Afinal um orçamento que inclui negociações com parceiros da esquerda anti-europeia e da Europa anti-esquerda exige escolhas. “Sim, fazemos e assumimos escolhas.”
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Foram oito as escolhas que Mário Centeno destacou no discurso – se as ler com atenção, verá que duas delas incluem também farpas ao anterior governo. Ora, o governo escolheu então: “Não usar a política fiscal de forma cega para obtenção de receitas”; “Introduzir cláusula de salvaguarda no IMI eliminando a isenção para fundos”; “Substituir o quociente familiar por dedução fixa”; “Não aumentar as taxas IRS, IVA e IRC”; “Aumentar impostos indiretos”; “Eliminar a sobretaxa ao invés de propagandear eleitoralmente a sua devolução”; “Repor faseadamente os salários dos funcionários públicos”; “Promover a capitalização das empresas”.
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Apesar de todas estas escolhas, convém não esquecer que falamos de um orçamento também esmagado entre as escolhas de Bruxelas e as escolhas dos partidos mais à esquerda. Neste campo, “mais impostos” e “menos estímulos à economia” estão entre as escolhas dos primeiros. Já as escolhas de “acelerar reposição dos salários na função pública” e “acelerar a reposição das 35 horas” vieram dos partidos mais à esquerda.
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Quem não faz falta
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“Termino como comecei” disse o ministro das Finanças a abrir a parte final do discurso. Que é como quem diz, voltar a falar da escolha do PSD de não propor alterações ao Orçamento na especialidade.
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“Este é um momento decisivo da nossa história, é o momento de devolver esperança aos portugueses, é o momento de participar por Portugal.” A não ser que tenham ignorado a discussão, pois “quem se alheia agora, não merece um novo tempo”, rematou.
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A fechar e para se manter fiel à música portuguesa, Mário Centeno garantiu que este é um orçamento “que faz falta”. Porém, de facto este também pode ser o orçamento “do que lhe falta”: as medidas que serão incluídas no tal “se ou quando” plano B que (eventualmente talvez provavelmente quem sabe) poderá surgir em menos de três meses.
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in: Dinheiro Vivo, 16 março 2016