“Españolización” da banca portuguesa é não só evidente, como crescente

Absorção do Banif e avanço do Bankinter foram os últimos passos da invencível armada. Agora a mira está no Novo Banco, alvo de catalães e cantábricos

 

O cerco espanhol à banca portuguesa deu, nos últimos meses, os passos mais expressivos antes da que poderá ser a estocada final. Em dezembro, o Banif foi absorvido pelo Santander e, antes, o Bankinter avançou sobre a rede do Barclays. Agora, e caso o Novo Banco venha a ter o mesmo destino, o domínio fica completo: quase 50% do mercado estará em mãos espanholas. É o dobro de 2014.

Além da “espanholização”, saliente-se a “desportuguezição”: salvo a Caixa Geral de Depósitos, algumas entidades de reduzida dimensão e uma ou outra posição acionista curta, os interesses portugueses no setor desapareceram. Culpa dos próprios, da descapitalização do país e até da estratégia do Banco Central Europeu, já no que toca ao privilégio aos grupos espanhóis. Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, descreveu esta estratégia do BCE como um desejo de “querer que os bancos europeus tenham estruturas acionistas que garantam capacidade de absorver perdas”. Ou seja: agrupar bancos em grandes grupos para que perdas e colapsos sejam mais bem resolvidos. A postura, porém, choca com o que se defendia depois do colapso financeiro: não podiam existir bancos too big too fail. Mas com grandes grupos, o risco de um contágio alargado cresce. E Portugal está cada vez mais exposto a Espanha (ver texto ao lado).

Centro e periferias

Para Ricardo Cabral, esta estratégia do BCE obedece a uma “reengenharia industrial”, numa opção “que extravasa o mandato do BCE definido no Tratado Europeu, bem como o mandato da Direção-Geral de Concorrência”, defendeu o professor do Departamento de Gestão e Economia da Universidade da Madeira no seu blogue no Público. Francisco Louçã é outro dos críticos, tendo em conjunto com Cabral feito chegar estas preocupações a Mário Centeno. “O BCE quer o Santander como banco europeu de referência para a Península Ibérica. Isso provoca uma situação terrível de dependência.” Afinal, dezembro não está assim tão longe e é difícil esquecer que o futuro do Banif foi decidido à margem de Lisboa.

Filipe Garcia, analista da IMF – Mercados Financeiros, insere esta discussão nas relações entre centro e periferia. “Quando as barreiras se esbatem”, disse ao Dinheiro Vivo, surge como um dos seus efeitos “a movimentação da periferia para o centro. Isto vale para o capital, população, riqueza, etc.” Ou seja, e tal como à época dos grandes impérios europeus, a estratégia para a banca passa por ter as periferias a funcionar em prol do centro. E a banca espanhola está em Portugal com a sua Invencível Armada.

O ocaso português

Terá sido o eclipse português que acelerou o ritmo da absorção. As famílias, empresários e investidores ficaram descapitalizados e não tiveram capacidade para acompanhar as crescentes exigências de capital que a banca foi enfrentando, seja por imposição regulatória – aumento de rácios -, seja pela toxicidade de alguns dos seus ativos e empréstimos. “A evolução recente revela a grande debilidade do capital português. O país não tem investidores com capital suficiente para ter uma presença marcante no sector”, aponta Teixeira dos Santos, ex-ministro das Finanças. “Sempre que foi preciso dinheiro fresco, havia pouco capital”, reforça António de Sousa, ex-governador do Banco de Portugal. João Pereira Leite, diretor de Investimentos do Banco Carregosa – de capitais portugueses mas dedicado à banca priva-da -, concorda. “Não houve, e não saberemos se e quando voltará a haver, capitais portugueses para suprimir essas necessidades.” Daí ver a absorção da banca não como uma ameaça mas como “uma inevitabilidade”.

Reestruturação e decisão

Jorge Tomé vê mais razões para este ocaso do que a mera descapitalização, que poderia ter sido compensada se a estratégia para a banca nacional tivesse sido outra, diz ao Dinheiro Vivo. O presidente do Banif até à tomada pelo Santander considera que “a reestruturação do sector não foi a melhor e acabou por penalizar os acionistas portugueses.” A seu ver, esta devia ter passado pela criação no imediato do Fundo de Resolução, onde ficariam os ativos mais problemáticos da banca financiados pelo Estado – “tal como acabou por acontecer” – e parcialmente pela banca. Tal solução libertaria os bancos das exigências de capital que se foram sucedendo.

Agora, e sobre o que pode representar para a economia o desaparecimento dos capitais portugueses da banca, o ex-presidente do Banif diz que tudo dependerá “de onde estiver o centro de decisão de cada banco”. Se estiver fora do país, “então a especialização da economia será decidida de fora e isso é grave”. António de Sousa nota que a nacionalidade não é sinónimo de qualidade. “Se os acionistas são portugueses é uma questão de importância relativa. O que tem peso é o modelo de negócio. Serem portugueses não é, em si, necessariamente bom.” Espera porém que PME e exportadores não percam apoios.

Porquê a via espanhola

Apesar de estar perto de atingir os 50% de quota, a posição espanhola na banca portuguesa tem evoluído com avanços e recuos. O BBVA chegou a ter mais de uma centena de balcões e agora está reduzido a cerca de trinta. Já o Popular cortou de 230 balcões para menos de 170. Em sentido inverso, o Bankinter comprou a rede do Barclays e já anunciou que quer duplicar a quota (2,8% em créditos) em Portugal. Mas porquê os espanhóis? Não só pela proximidade, como por já estarem presentes no mercado, mas também pela experiência e reestruturação por que passaram com a crise de Madrid.

“A conjuntura é bastante similar à que se viveu em Espanha nos últimos anos. Mais do que uma ameaça, é uma oportunidade”, explicou ao El País, José Luís Vega, responsável do Bankinter em Portugal.

A experiência em Espanha alimentou o crescimento do lado de cá da fronteira. “O reajuste do sistema bancário acabou com muitas cajas, bancos regionais e instituições de crédito local que se fundiram e criaram um sistema financeiro mais sólido”, diz Eduardo Silva, gestor da XTB, ao Dinheiro Vivo. “Depois de um período cuja prioridade era a sobrevivência, passaram para um período de crescimento”, detalha.

Novo Banco: que destino?

Agora, com o Novo Banco de volta às montras, este é o novo alvo da expansão espanhola. Santander e Caixabank (BPI) surgem entre os principais interessados – além do BCP. Questionados sobre o melhor destino a dar à entidade, as partes ouvidas pedem acima de tudo que se evite “uma maior concentração” no setor. Um pedido que acaba por “eliminar” o BCP da corrida, já que seria a união do segundo e terceiro maiores em quota por crédito a clientes em Portugal – além de não ser um “grande banco europeu”, um dos requisitos mais ou menos formais deste processo de venda. Já com Santander ou BPI, as posições finais ficarão relativamente próximas (27% e 25%) e acima ou quase do banco líder, a CGD (26%).

Independentemente do destino, e dado o peso dos bancos envolvidos, parece certo que a entidade que tiver de absorver o Novo Banco acabará por ser obrigada – seja por via da lei da concorrência, seja por via de redundâncias – a avançar com mais uma reestruturação, leia-se corte de balcões e de empregos. Um cenário que parece já hoje inevitável, mais não seja porque, e tal como no caso do Banif e tal como no impasse no BPI, há prazos impostos para uma “solução”. E esta tem de cumprir os requisitos – mais ou menos formais – europeus: vender a um grande grupo bancário europeu já no país. Ou seja, espanhol.

in: Dinheiro Vivo/DN/JN, 12 março 2016

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