A propósito das visões sobre impostos – que coincidem e diferem pela posição em que se está e independentemente da rotatividade entre partidos Dupont & Dupond no governo ou oposição -, palavra a 1871 e a um jovem Eça de Queiroz:
“(…)
Na acção governamental as dissensões são perpétuas. Assim, o partido histórico propõe um imposto. Porque, não há remédio, é necessário pagar a religião, o exército, a centralização, a lista civil, a diplomacia… – Propõe um imposto.
“Caminhamos para uma ruína – exclama o Presidente do Conselho. – O défice cresce! O País está pobre! A única maneira de nos salvarmos é o imposto que temos a honra, etc…”
Mas então o partido regenerador, que está na oposição, brame de desespero, reúne o seu centro. As faces luzem de suor, os cabelos pintados destingem-se de agonia, e cada um alarga o colarinho na atitude de um homem que vê desmoronar-se a Pátria!
– Como assim! – exclamam todos. – Mais impostos!?
E então contra o imposto escrevem-se artigos, elaboram-se discursos, tramam-se votações! Por toda a Lisboa roda carruagens de aluguel, levando a 300 réis por corrida, inimigos do imposto! Prepara-se o cheque ao ministério histórico… Zás! Cai o ministério histórico!
E ao outro dia, o partido regenerador, no poder, triunfante, ocupa as cadeiras de S. Bento. Esta mudança alterou tudo: os fundos desceram mais, as transacções diminuíram mais, a opinião descreu mais, a moralidade pública abateu mais – mas finalmente caiu aquele ministério desorganizador que concebera o imposto, e está tudo confiado, esperando.
Abre a sessão parlamentar. O novo ministério regenerador vai falar.
Os senhores taquígrafos aparam as suas penas velozes. O telégrafo está vibrante de impaciência, para comunicar aos governadores civis e aos coronéis a regeneração da Pátria. Os senhores correios da secretaria têm os seus corcéis selados!
Porque, enfim, o ministério regenerador vai dizer o seu programa, e todo o mundo se assoa com alegreia e esperança!
– Tem a palavra o sr. Presidente do Conselho.
– O novo presidente: “Um ministério nefasto (apoiado, apoiado! – exclama a maioria histórica da véspera) caiu perante a reprovação do País inteiro. Porque, Senhor Presidente, o País está desorganizado, é necessário restaurar o crédito. É a única maneira de nos salvarmos…”
Murmúrios. Vozes: Ouçam! Ouçam!
“…É por isso que eu peço que entre já em discussão… (atenção ávida que faz palpitar debaixo dos fraques o coração da maioria…) que entre em discussão – o imposto que temos a honra, etc. (apoiado! Apoiado!)
E nessa noite reúne-se o centro histórico, ontem no ministério, hoje na oposição. Todos estão lúgubres.
– “Meus senhores – diz o presidente, com voz cava. – o País está perdido! O ministério regenerador ainda ontem subiu ao poder, e doze horas depois já entra pelo caminho da anarquia e da opressão propondo um imposto! Empreguemos todas as nossas forças em poupar o País a esta última desgraça! – Guerra ao imposto!…”
Não, não. Com divergências tão profundas é impossível a conciliação dos partidos!”
EQ, Maio 1871 – in Farpas