Mercados. No verão de 2012, Mario Draghi anunciou que o BCE “faria tudo o que fosse preciso” para salvar a zona euro. O sistema financeiro reagiu e sobreviveu. Até que chegou 2016
Foram dois os grandes estímulos a que o Banco Central Europeu (BCE) recorreu nos últimos anos para contrariar os impactos de uma crise interminável. O primeiro, a 26 de julho de 2012, foram as palavras. “Durante o nosso mandato, o BCE está preparado para fazer o que for necessário para preservar o euro e acreditem que tal será suficiente”, anunciou Mario Draghi. Esta disponibilidade teórica do BCE acalmou os mercados, recolocou a banca europeia num trajeto de valorização e conteve as subidas dos juros das dívidas.
A segunda (e última) arma disponível no arsenal do BCE veio no início de 2015: a bazuca do ‘quantitative easing’ (QE), ou alívio quantitativo, mecanismo que no fundo é uma forma de injetar liquidez: o BCE compra ativos à banca, libertando-a para reorientar recursos para a economia. Tal como quando usou a palavra e a teoria, Draghi ganhou tempo para governos e bancos: as acções e as dívidas entraram em rota de evolução favorável, com as primeiras a ganharem fôlego e as segundas a permanecerem controladas. Mas o tempo conquistado pelo BCE parece ter-se esgotado com a viragem para 2016 e a verdade é que o banco central da moeda única já não tem muito mais com que comprar tempo.
Impacto na banca
A banca europeia estava a sofrer pesadas quebras no segundo trimestre de 2012, com o Stoxx Europe 600 banks, que mede a “temperatura” dos 600 maiores bancos europeus, a ameaçar bater mínimos de novembro de 2011, quando um novo governo estava a tomar conta de Atenas e os juros da dívida pública espanhola colocavam o país na iminência de um resgate.
Se em novembro daquele ano o índice afundou até aos 116 pontos, em julho de 2012 seguia o mesmo caminho, tendo batido nos 121 pontos. Aqui veio o uso da palavra por Draghi – “tudo faremos” – e a banca foi salva da descapitalização total. Com mais ou menos receios e renovadas imposições para os rácios de solvabilidade, o setor foi-se aguentando. Este índice valorizou até 181 pontos no início de 2015 e, com a chegada da bazuca do QE, registou um novo ciclo de valorizações, com o Stoxx 600 a superar os 200 pontos pela primeira vez desde abril de 2011. Depois chegou 2016 e o fim da anestesia: desde o início do ano os 600 maiores bancos europeus desvalorizaram 29%, tendo o Stoxx 600 atingido ontem os 131 pontos – valor onde não se encontrava desde julho de 2012. Mas há uma diferença: as palavras já foram e a bazuca está a funcionar a todo o gás. O “efeito Draghi” acabou.
Quedas quantitativas
As quedas registadas pelos maiores bancos europeus desde o início do ano – perderam 213 mil milhões de euros -, estão a evidenciar as fragilidades das medidas que as autoridades decretaram nos últimos anos: a imposição de maiores exigências em termos de rácios de pouco servem face à quantidade de ameaças financeiras globais. Até porque o cenário não é exclusivo europeu: os bancos japoneses desvalorizaram 36% no último mês e meio e as empresas financeiras nos Estados Unidos estão a perder 19% só para citar dois exemplos.
Em causa – além do contexto macroeconómico pouco animador – estão os receios de que a banca esteja subcapitalizada, situação agravada pelos elevados níveis de malparado em alguns dos principais bancos, níveis esses que têm tudo para continuar a crescer: empresas e países dependentes do petróleo estão em risco de incumprimento – veja-se a Venezuela -, e o comércio internacional está a desacelerar de forma significativa com os arrefecimentos da China, Rússia ou Brasil. “Há muito sentimento negativo, com os spreads a dispararem e as preocupações com o Deutsche Bank. Há muito capital a circular, mas também há muito receio”, diz à Reuters um analista da Robert W. Baird. Depois do Deutsche Bank, ontem foram os resultados do Société Générale que agravaram o pessimismo dos mercados – ainda assim note-se que o banco “só” teve lucros de 656 milhões de euros no último trimestre de 2015, resultado que todavia ficou aquém do que era estimado.
Perante todo este cenário e todas as incertezas para 2016, continuam a ecoar as palavras. Já não as de Draghi mas as do Royal Bank of Scotland, ditas no início do ano: “2016 será o ano do cataclismo.”
in: Dinheiro Vivo/DN, 12 fevereiro 2016
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