OE 2016 esmagado entre a parede de Bruxelas e a espada da política
Subir impostos indiretos trava consumo e cortes na despesa ou aumentar impostos diretos chocam com reversões e com PCP e BE
Ontem mais uma voz juntou-se ao enorme coro de insatisfeitos com o plano orçamental português: “O Esboço do Orçamento do Estado para 2016 corre evidentes riscos de incumprimento ao nível do ajustamento estrutural.”
A análise é da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) e foi divulgada ao final da tarde. Esta unidade não teve receios de por o dedo na ferida: o conteúdo do esboço “aponta para a necessidade de apresentação de medidas corretivas”. Leia-se chamar os contribuintes a suportar os desvios previsíveis.
A posição da UTAO surge por cima e reforça as críticas já antes feitas ao plano orçamental, tanto por agências de rating como pela Comissão Europeia e também pelo Conselho das Finanças Públicas, cujo parecer seguiu para Bruxelas anexado ao esboço entregue por Mário Centeno, ministro das Finanças, à CE. Tal como as restantes instituições, a unidade que presta apoio à Comissão de Orçamento e Finanças no Parlamento duvida das projecções que dão base ao documento orçamental, salientando a “elevada incerteza” do seu cenário macroeconómico. Mas há também a questão das contas e dos critérios usados pelo governo.
Segundo a UTAO, há medidas que poderão estar indevidamente rotuladas como extraordinárias – “one-off” – algo que, a confirmar-se, implica uma reversão no resultado final do plano orçamental, aumentando o saldo final e, por arrasto, “a variação do saldo estrutural”. Para a UTAO, este passaria de uma redução de 0,2 pontos – já insuficiente para a CE -, para traduzir “um relaxamento em vez de um esforço de consolidação”.
Sobre a compensação que vier a ser necessária dados os desvios, riscos e incertezas, a UTAO aponta que deve ser dado privilégio a medidas de caráter permanente, com destaque para a despesa pública. E é precisamente aqui que Mário Centeno encontra a sua encruzilhada, já que se as Finanças Públicas ditam um conjunto de soluções para estes casos, o atual enquadramento político acaba por riscar quase todas. Poderá, contudo, beneficiar de alguma benevolência de Bruxelas, tratando-se do primeiro orçamento do novo governo, feito num contexto político inovador e tendo Portugal o mais alto custo da dívida pública da zona euro: de 4,5% do PIB.
Entre a CE e o PCP/BE
As soluções que se apresentam às Finanças para resolver as dúvidas – e ameaças – de Bruxelas são várias mas poucas – nenhuma? – passarão o crivo político ou a tónica reversiva que pautou os dois primeiros meses de governação (ver coluna ao lado). Pondo de outra forma: “Há um leque muito variado de opções, que passam sempre por aumentar a receita ou cortar a despesa. Mas a decisão será sempre política. Não será o ministro das Finanças a decidir, é um dossiê demasiado político”, conforme referiu ao Dinheiro Vivo João Loureiro, professor da Faculdade de Economia do Porto.
Um dos caminhos apontados pelos especialistas em Finanças Públicas ouvidos pelo Dinheiro Vivo seria, por exemplo, a compensação dos desvios – ou para ganhar margem face aos riscos – por via do aumento dos impostos indiretos. Porém, o crescimento previsto no plano orçamental para ; 2016 está assente numa retoma mais acelerada do consumo, o que dificulta a opção – sobretudo quando o principal imposto indireto, o IVA, está na lista das reversões.
Um outro caminho seria o avanço de mais cortes na despesa. Contudo, e considerando o tipo de compromisso político que levou à constituição de um apoio maioritário ao governo socialista na Assembleia da República, todos apontam esta hipótese como “muito difícil”. Ainda para mais quando já foi anunciado a reversão de 100% dos cortes salariais na Função Pública ao longo deste ano e dificilmente este governo sobreviveria a reverter reversões. Estas são mesmo intocáveis.
E quanto a ganhos nos consumos intermédios ou pela aposta em mais eficiência fiscal? Aqui não há dúvidas: tudo isto é chão que já deu uvas, comentaram ex-governantes ao Dinheiro Vivo.
Para Bagão Félix, e apesar de partilhar as críticas feitas ao plano orçamental, pode ser que todos os recados não passem de um cartão amarelo de Bruxelas e talvez se consiga contar com a tal benevolência. No entender do ex-ministro das Finanças, este ano até poderá haver alguma margem, margem suficiente para, por exemplo, não encostar a solução governativa à parede, assegurando-se assim a estabilidade política até ao final de 2016.
O pior será mesmo em 2017: “Aí é que a situação pode complicar-se bastante, até porque há medidas que são revertidas este ano que só têm impacto em metade do exercício, ao contrário do que vai acontecer no próximo ano”, lembra o ex-ministro.
in: Dinheiro Vivo/DN, 29 janeiro 2016