O histórico das previsões que servem de base às medidas políticas, económicas e financeiras desenhadas nos Orçamentos do Estado a cada ano mostra que as projeções que balizam as margens dos decisores políticos são facilmente falíveis quando enfrentam a realidade.
O cenário repete-se quase todos os anos: as previsões falham, as derrapagens sucedem-se, as contas começam a falhar e para compensar surgem medidas avulso, pensadas a curto-prazo e que mais do que responder a uma lógica consolidada e construtiva, apenas visam tapar buracos no imediato. Caso contrário os “mercados” assustam-se com as derrapagens.
Eventuais erros de previsão com dimensão considerável podem ter implicações relevantes nas projeções orçamentais, em particular do lado da receita, tornando a execução orçamental mais exigente
Este ano o Conselho das Finanças Públicas (CFP) decidiu voltar a tocar – e a sublinhar – esta ferida. “As previsões passadas do Ministério das Finanças para os Orçamentos do Estado demonstraram-se tendencialmente otimistas”, aponta a dado passo a entidade liderada por Teodora Cardoso no parecer às previsões macroeconómicas incluídas no plano orçamental português.
Erros comuns aos diferentes governos
Portugal ainda não conhece em detalhe o Orçamento do Estado para este ano. Na última semana, Mário Centeno, ministro das Finanças, deu a conhecer o plano orçamental exigido por Bruxelas, incluindo neste documento as projeções macroeconómicas para a economia portuguesa.
Já com o parecer do CFP em mãos, Mário Centeno aproveitou a conferência de imprensa de sexta-feira para responder às preocupações manifestadas pela entidade, admitindo que, “como em qualquer previsão” também as contas para 2016 “estão dependentes das hipóteses assumidas”.
A questão, no entanto, não reside no facto das previsões saírem furadas – antes saírem furadas sempre no mesmo sentido – como também não reside no caso específico das projeções de Mário Centeno para o corrente ano.
O problema é mais alargado e aprofundado: repete-se em quase todos os governos – seja PS ou PSD – que ou não desenharão os cenários macroeconómicos com a prudência recomendada ou porque simplesmente seguem modelos de previsão errados.
Nos termos Lei de Enquadramento Orçamental, as projeções orçamentais subjacentes aos documentos de programação orçamental (…) devem basear-se no cenário macroeconómico mais provável ou num cenário mais prudente
Lei de Enquadramento Orçamental
No parecer ao plano orçamental, o CFP aproveita para recordar que “nos termos do artigo 8º da Lei de Enquadramento Orçamental”, se recomenda que “as projeções orçamentais subjacentes aos documentos de programação orçamental (…) devem basear-se no cenário macroeconómico mais provável ou num cenário mais prudente”.
É através deste “princípio orientador” que o Conselho de Finanças Públicas parte para a análise de todos os documentos que avalia, conforme explicam no parecer. Depois de explicar detalhadamente os porquês das suas preocupações face às previsões para este ano, o CFP avança então para uma análise dos diferentes orçamentos desenhados nos últimos 20 anos para concluir que os erros são a regra.
Demasiado otimistas ou com modelos errados
“Partindo dos relatórios dos Orçamentos do Estado publicados no período 1995-2015, o CFP calculou os intervalos de confiança associado às previsões do Ministério das Finanças, com base nos respetivos erros de previsão.”
A que conclusão chegaram? “Para o período em causa (1995-2015), as previsões passadas do MF para OE demonstraram-se tendencialmente otimistas, o que pode ser fruto quer da assunção sistemática de hipóteses mais favoráveis quer do funcionamento do próprio modelo de previsão.”
O problema é que “eventuais erros de previsão” acabam por ter “implicações relevantes nas projeções orçamentais”, o que faz com que “a execução orçamental” daquele ano se torne mais exigente.
Para apresentar as suas conclusões, o CFP pegou nos erros de previsão dos diferentes governos no período entre 1995 e 2015 e aplicou-os às projeções para 2016. Desta forma conseguiu identificar os indicadores em que os anteriores titulares das Finanças mais falharam e salientar aqueles que mais preocupações devem gerar este ano.
De forma a melhor deixar claro os diferentes graus de preocupação que cada indicador deve suscitar dado o histórico das previsões dos últimos 20 anos, o CFP avança com um conjunto de gráficos onde “quanto maior é a incerteza relativa a uma determinada previsão, mais ampla é a região de confiança”.
A vasta variabilidade de incerteza associada às previsões e a tendência para o otimismo do previsor, aconselham especial prudência na leitura destas previsões
Apesar de admitir “intervalos simétricos”, ou seja a possibilidade dos desvios surgirem também em sentido favorável às contas públicas, o CFP sublinha que a tendência é sempre a oposta.
Assim, e com os gráficos já em mão, o CFP acaba por aconselhar “especial prudência na análise das previsões para 2016” nas variáveis sobre o investimento, exportações e importações e também para a inflação (IHPC).
Para terminar, e num mero exercício rápido sobre “previsões” e “realidade”, olhámos para a diferença que se encontra, por exemplo, na evolução real da dívida pública e a evolução que os diferentes Orçamentos do Estado dos últimos anos foram “prometendo” para a mesma.
A escolha da “dívida pública”, de nossa exclusiva responsabilidade, surge porque este indicador é dos que mais “sofre” quando choca com a realidade, tanto quando o défice orçamental acaba por ser maior que o previsto – obrigando a mais dívida -, como quando o PIB cresce menos (ou contrai mais) que o previsto – aumentando o peso da dívida face ao PIB. Em ambos os casos, mais dívida resulta em mais juros que o previsto no Orçamento.
in: Dinheiro Vivo, 25 janeiro 2016