Líder do MEE critica complexidade do Pacto de Estabilidade, enumera custos do “Grexit” e as possíveis vias para a redução do peso das dívidas do euro
Klaus Regling, diretor-geral do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) critica as regras e as exigências atuais que o Pacto de Estabilidade apresenta aos países da moeda única, numa entrevista ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ), publicada este sábado.
“A reforma de 2005 ao Pacto foi uma coisa boa, porque durante a crise financeira que surgiu pouco depois muitos países já não estavam, por razões económicas, numa posição de aderir novamente ao critério dos 3%”, começa por apontar Regling, depois de questionado pelo jornal alemão sobre as “inúmeras e detalhadas regras” que foram sendo introduzidas nos regulamentos do Pacto. Questão que aborda logo de seguida.
“Mas agora o pacto, com o acréscimo de tantas regras tão detalhadas, tornou-se em algo tão complexo que até os melhores especialistas mal o entendem”, critica o diretor do MEE, mecanismo para a gestão e apoio aos países da zona euro que entrem em crise. “As regras só podem cumprir o seu papel efetivo se forem entendidas”, remata.
Klaus Regling é o atual diretor do Mecanismo Europeu de Estabilidade, tendo também sido um dos arquitetos da versão fundadora do Pacto de Estabilidade e Crescimento nos anos 1990 enquanto diretor-geral dos assuntos monetários e financeiros do ministério das Finanças alemão. Além disso, e já enquanto diretor-geral dos Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia, foi dos poucos que pressionou Bruxelas para sancionar a Alemanha e a França quando estes países inauguraram a violação das regras desse Pacto.
Emissões em dólares.
Na entrevista ao FAZ, disponibilizada em inglês pelos serviços de imprensa do MEE, é também abordada a possibilidade deste mecanismo passar a fazer emissões de dívida em outras moedas que não o euro, algo que Regling assegura que vai acontecer já a partir de 2016.
“Precisamos de nos refinanciar de forma contínua nos próximos anos, porque as maturidades das nossas obrigações são mais curtas que as dos empréstimos que cedemos”, explica Regling. “Estamos sempre à procura das melhores condições e, logo é importante ter uma base de investidores alargada. “Há no entanto um vasto conjunto de investidores – sejam privados ou públicos, colectivos ou individuais – que por opção ou por regras só investem numa determinada moeda, explica o responsável do MEE.
“Até ao momento só temos feito emissões em euros. Mas se queremos chegar ao maior número possível de investidores então precisamos de mudar isto a médio-prazo”, reflete. “Os maiores fundos de pensões nos Estados Unidos só investem em dólares”, aponta como exemplo, antes de anunciar que estas mudanças vão ocorrer já em 2016.
“Estamos neste momento a preparar emissões em moeda estrangeira. Talvez comecemos já em 2016”, detalha nas declarações ao jornal alemão.
Grexit custa 25% do PIB.
A Grécia é outro dos tópicos abordados na entrevista de Regling ao FAZ, sendo aliás o que mais espaço ocupa na mesma. “Os cálculos mais plausíveis mostraram que o Grexit [saída da Grécia do euro] ia resultar numa contração de 25% do PIB grego, depois de este já ter recuado um quarto nos últimos cinco anos. Isso ia ter um impacto massivo em 11 milhões de pessoas.”
Klaus Regling explica que a saída de Atenas da moeda única teria igualmente efeitos sistémicos na região, “com a perda do dinheiro envolvido nos empréstimos dos credores”, o que significa que as perdas “sairiam muito caras aos restantes países da zona euro”.
Apesar de admitir que as reformas por vezes “emperram na Grécia”, muito por causa da “falta de força da administração central” do país, Regling reconhece que a postura do governo local, liderado por Alexis Tsipras, evoluiu de forma favorável. “O governo grego agora está disponível para reformas.”
Quanto à sustentabilidade da dívida do país, Regling é contra um corte direto na mesma, lembrando até que “dados os juros reduzidos e a duração dos empréstimos a questão da sustentabilidade da dívida na Grécia nem se colocará nos próximos anos” – o empréstimo do MEE à Grécia, no âmbito do terceiro resgate, foi concedido com uma maturidade média de 32,5 anos, com deferimento de juros por 15 anos após o término do programa e uma taxa de juro inferior a 1%.
Apesar de ser contra um “haircut” clássico, o alívio do endividamento que pesa nas costas dos 11 milhões de gregos não deixa de ser uma prioridade. E quem diz gregos, diz todos os europeus. Questionado sobre as eventuais decisões que podem ser tomadas em 2016 relativamente às dívidas da região, Regling lembra os parâmetros possíveis para se obter algum alívio. “Extensão de maturidades, adiamento de pagamentos e, potencialmente, deferimento de alguns juros. Como é que depois se combinam estas três modalidades, isso já será da competência do Eurogrupo.”
Dividir supervisão e política.
A entrevista a este responsável aborda igualmente a ideia de Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças alemão, que tem vindo a defender uma maior separação entre a supervisão orçamental feita pela Comissão Europeia e o ramo político dessa mesma CE.
“Precisamos de uma supervisão orçamental credível e transparente”, defende Regling, salientando que esse é precisamente um dos pontos para que os mercados olham quando estudam o investimento em obrigações do próprio MEE.
“Viajo pelo mundo para ajudar na atração de investidores para as obrigações do MEE e os mercados olham com muita atenção como a zona euro conduz as supervisões”, explica. “Os mercados sabem que a CE já tem competências acrescidas na supervisão de orçamentos e esperam que as utilize de forma credível.”
in: “Dinheiro Vivo”, 19 dezembro 2015