Foi guitarrista dos Nirvana e não deu. Depois baixista dos Soundgarden, e também não deu. Avançou para a carreira militar e chegou às forças especiais e a todos os palcos de guerra. Agora estuda Filosofia. Ah, e os Nirvana ainda lhe devem 607 dólares.
Nascido numa ilha do Alasca, eram remotas as possibilidades de um dia viver o sonho da vida de milhões de pessoas. Mas fê-lo. Não uma, nem duas, mas três vezes… tantos sonhos quantas as vidas que já experimentou.
Depois do fim do casamento dos pais, Jason Everman foi com a mãe para Washington. “A minha mãe era depressiva, tinha génio artístico, mas era uma alcoólica agarrada a comprimidos”, conta a irmã, Mimi MacKay. “Aprendemos a não fazer ondas e a tratar de nós desde muito cedo”, acrescenta. Jason ainda era uma criança quando desenvolveu alguma gaguez, o que o empurrou para o silêncio mais vezes que o normal: “A mãe gritava com ele:‘Acaba a frase ou cala-te!’” Mesmo depois de ultrapassada a gaguez, o silêncio ficou o refúgio preferido.
Seguiu-se uma fase de rebeldia à teenager norte-americano, ou seja, rebentar com uma casa de banho com uma M80. Sem o saber, este episódio traria a música para a sua vida: o silêncio e a violência levaram a mãe a procurar um psiquiatra e Jason acabou por se ver no consultório de um que também era coleccionador de guitarras. Foi nestas sessões que Everman pegou pela primeira vez numa guitarra, a forma encontrada pelo clínico para retirar o paciente do silêncio. Seguiu-se a descoberta do punk rock, o “primeiro momento definidor da minha vida”, segundo disse o próprio ao “New York Times”. Seguiram-se experiências em várias bandas de garagem e muitas visitas ao Alasca, onde aproveitava para trabalhar no barco do pai e ganhar uns cobres. Um “big break” chegaria por esta altura: Chad Channing, amigo de infância, cruzou-se com um guitarrista e um baixista – por acaso chamados Cobain e Novoselic – que procuravam um baterista. Channing fez alguns concertos como baterista para estes tais Nirvana e, quando soube que procuravam um segundo guitarrista, não perdeu tempo: “Eu sei de um gajo, eu ligo–lhe.” Assim foi.
Everman assegurou o lugar de segundo guitarrista na banda. Na altura, sendo o único elemento com dinheiro, entrava na história do rock sem o saber: em 1989 pagou os 607 dólares da produção de “Bleach”, álbum de estreia dos Nirvana. Dívida nunca paga: “Ficou para nos compensar pelos danos cerebrais que nos causou”, disse Cobain sobre o assunto no livro “Come as You Are”.
Foi na digressão que as coisas correram mal: dias intermináveis, carrinhas apertadas, ressacas sucessivas… “Demos grandes concertos com o Jason, mas as coisas azedaram rapidamente”, explicou Novoselic ao “NYT”. Jason caía muitas vezes nos seus longos silêncios e nunca pareceu estar onde queria. A digressão acabou a meio e banda eguitarrista seguiram caminhos distintos. Mas a cada porta que se fecha abre-se… um jardim. Yamamoto, baixista e um dos fundadores dos Soundgarden, tinha acabado de sair da banda e esta procurava um baixista. Everman foi chamado e ficou. Depois dos Nirvana, estava nos Soundgarden. Tinha 22 anos. Seguiram-se digressões pelos EUA e pela Europa mas, sendo o mais novo, tudo ainda era demasiado: a pressão, a exigência, o ritmo… e, contra tudo isso, a resposta era o silêncio, muito silêncio. E isso era mais uma vez incompatível com os restantes membros: o fim da digressão foi o fim da sua passagem pelos Soundgarden. Jason foi despedido outra vez. O álbum seguinte dos Soundgarden foi dupla platina e os Nirvana, já com Dave Grohl, eram a maior banda do momento, depois de “Nevermind”. E Jason? Mudou-se para Nova Iorque e tocou em mais algumas bandas, entre elas os Mindfunk. Foi com estes que se mudou para São Francisco, mas algo não batia certo. “Estive nas bandas mais cool do momento, mas só me apetecia fazer a coisa menos cool que se pode fazer”, conta sobre aqueles tempos. Em 1993 saiu cedo da casa onde vivia com a banda e foi ter com uma equipa de recrutamento: sempre se sentiu interessado pela vida militar e queria experimentá-la. Saiu dos Mindfunk sem justificações e alistou-se aos 26 anos. Começava a sua segunda vida e voltava ao anonimato. Sol de pouca dura.
Um mês depois de iniciar a recruta foi reconhecido por um dos sargentos formadores: o suicídio de Kurt Cobain fez com que a cara de Jason aparecesse em centenas de artigos de jornais e revistas sobre os Nirvana. Ouvir dezenas de vezes “OK, estrela do rock, então dá-me mais 50 flexões” foi o que lhe valeu saber-se da sua vida anterior.
Cumpriu a recruta e seguiu para os Rangers. A primeira missão foi na América Latina e, aquando do 11 de Setembro, Everman estava já na última etapa do treino para as forças especiais dos EUA. Seguiram-se missões no Afeganistão e no Iraque, e Everman sentia-se finalmente em casa. Os seus silêncios não desapareceram, simplesmente não tinham qualquer importância: “Em missão prefiro um tipo recatado a alguém que tenho de estar sempre a mandar calar”, contou um colega das forças especiais ao “NYT”. Várias missões, mortes, medalhas e distinções depois, Everman quis continuar a experimentar a vida. Saiu do activo em 2006 e desde então é consultor do exército. Isso não o impediu de procurar uma nova vida, tendo terminado agora a licenciatura em Filosofia.
No ano passado foi um dos convidados da cerimónia que elevou os Nirvana ao “Rock and Roll Hall of Fame”. Nessa altura falou ao “Daily Beast” sobre a sua história: “Como adolescentes estamos a funcionar sob o disfarce de pensarmos pela própria cabeça. Mas não pensamos. O punk rock era incrivelmente conformista.” Porém, foi a noção teórica de individualismo prometida pelo punk que o pôs no trilho certo para pensar pela própria cabeça: daí a decisão de abandonar a música e seguir o instinto que o chamava para o exército. “Não era feliz. O punk rock foi um passo necessário para começar a pensar realmente pela minha própria cabeça.” Agora, com um currículo diversificado, do rock à guerra, de consultor do exército a filósofo, o que lhe reserva o futuro? “Talvez acabe como barman num sítio qualquer.”
in: Jornal i, 18 Abril 2015