Ongoing. Um grupo empresarial, de media ou de ramificações?
Vasconcellos e Mora cresceram à sombra dos holofotes que os atraiam. Mas quanto mais puxaram o foco para si, mais se tornaram evidentes as ramificações políticas, empresariais e maçónicas deste projecto de império
O foco encandeia. O mediatismo e o papel cada vez mais relevante que a Ongoing procurou no mundo político-empresarial trouxe os holofotes que Nuno Vasconcellos e Rafael Mora tanto desejavam, mas com cada vez mais luz a incidir num grupo opaco, o projecto-de-império foi cada vez mais alvo de escrutínio. Longe já iam os dias em que à sombra dos holofotes a dupla foi crescendo e embrenhando-se no seio das ditas elites que nos últimos anos arrastaram o país para o estado actual. Pina Moura, Jorge Coelho e António Mexia terão servido de “apresentadores” à elite e a dupla de empresários em pouco tempo acumulou avenças para a sua Heidrick & Struggles (H&S) entre o sector empresarial do Estado.
Na década de 1990, Vasconcellos e Mora eram já bastante próximos, depois de se cruzarem na Andersen Consulting. Avançam então para a independência, lançando a H&S, uma head-hunter e consultora de recursos humanos que lhes servirá de porta de entrada na rede empresarial e política, onde a sua contratação coincidia com a recomendação pela H&S de altos salários para os gestores que os contratavam. A gradual entrada na rede foi possível graças àquilo que mais procuravam anular, o anonimato.
A H&S serviu assim para avançarem por um caminho de prémio-benefício com gestores e políticos, com destaque para o hoje CEO da EDP, António Mexia. A Heidrick serviu a Galp de Mexia e foi servir as empresas públicas a partir do momento em que este “gestor-político-facilitador” saltou para o Ministério das Obras Públicas – de onde partiu para ir ganhar milhões de euros para a EDP por sugestão da H&S… prémio-benefício. “É para garantir a performance sustentável a médio prazo”, explicou então Mora sobre a proposta que a H&S fez para o salário de Mexia na EDP.
Com Pina Moura e Jorge Coelho já na sua esfera, Mora e Vasconcellos conseguem superar a troca de governo: a ascensão de Sócrates, que traz Mário Lino como ministro das Obras Públicas, permite-lhes, por um lado, aprofundar as ligações aos círculos do poder mas, por outro, traz o primeiro escândalo sobre avenças e influências: a H&S recebia 150 mil euros/mês dos CTT sem prestar qualquer serviço. Apesar do escândalo, a H&S dá por si já a prestar serviços à ANA, Carris, Estradas de Portugal, TAP, EDP, Águas de Portugal…
Com o primeiro governo de Sócrates, o mundo empresarial sofreu fortes abalos e em todos eles os nomes dos empresários foram recorrentes: da guerra fratricida no BCP – onde eram próximos de Paulo Teixeira Pinto – ao cerco à comunicação social, passando pelas telecomunicações, estes foram anos de guerra aberta pelo controlo dos grupos das elites. Para entrar na guerra, são precisas armas e também um padrinho, de preferência um que reúna as duas coisas: quem melhor que Ricardo Salgado himself? Foi a OPA da Sonae à PT em 2006 que o tornou possível – operadora a que a H&S depois iria servir e encaixar milhões. Os interesses instalados na PT – dos milhões pagos a accionistas, aos milhões pagos a gestores, passando pelos empregos a ex-políticos –, uniram-se para a criação de uma frente anti-Sonae.Em defesa do status, era preciso aliados: a Ongoing aparece assim como novo accionista da PT, alinhada com o BES, justificando o financiamento da operação com a herança de Vasconcellos, vinda da Sociedade Nacional de Sabões. Porém, a entrada e reforços de posição na PT, até aos 10%, foram garantidos sobretudo com dívida, do BES e BCP, com as próprias acções da PT a servirem de garantia. Foi neste dossier que a Ongoing atraiu de vez os holofotes para si.
O “status PT quo” resiste e a OPA é chumbada. Segue-se o prémio-benefício:as compensações e os prémios combinados entre accionistas e administração não se fizeram esperar, com milhares de milhões de euros a voar para ambos, cabendo ainda a cereja em cima do bolo para Vasconcellos eMora, que garantem lugares na administração daPT e no circuito dos milhões em bónus e salários que a empresa pagava anualmente. Seguiu-se a venda da Vivo e nova distribuição de milhões – em dez anos, a PT pagou 112 milhões de euros aos gestores enquanto desvalorizava 80%. No meio de tanto auto-prémio e auto-dividendo, porém, a PT acabou por ter o destino hoje conhecido, até porque havia mais a acontecer com o dinheiro da PT.
Assegurado o lugar na sala dos grandes e uma parte dos dividendos milionários do ex-monopólio, a Ongoing precisava de resolver uma posição na banca e depois apontar baterias a outro sector de influência: os media. No BCP, Mora desenha o modelo dualista de governação e eclode uma guerra de accionistas, com a Ongoing a entrar no capital para apoiar Teixeira Pinto contra Jardim Gonçalves – ou Maçonaria (ver págs. 6/7) contra Opus Dei – e, pelo caminho, ganhar lugares na administração. “Os relacionamentos agora conhecidos [maçonaria e secretas] abrem uma nova perspectiva sobre o que aconteceu no BCP”, viria a comentar em 2012 Filipe Pinhal, em declarações para o retrato aprofundado à Ongoing feito então pelo “Público”. Voltando a 2007, dizia na altura o “Diário Económico” sobre o conflito no BCP: “Os exércitos estão formados e já começaram a disparar.” E por falar em “Económico”, hora de olhar para os media.
Entre 2008 e 2009, a Ongoing torna-se um accionista cada vez mais relevante na Impresa, grupo que o pai de Nuno Vasconcellos, Luís Vasconcellos fundou com Balsemão, atingindo mais de 20% em ano e meio, num movimento que deixou Balsemão surpreendido. O assédio e o reforço na SIC intensificava-se ao mesmo tempo que o grupo mostrou com força que a presença na comunicação social era decisiva:pagou 27,5 milhões pelo “Diário Económico” e “Semanário Económico”, valor visto como exagerado mas que garantiu que os jornais não lhe escapavam.
Ainda neste ano e meio, o i noticia em Junho de 2009 que também a TVI está a ser assediada: a Media Capital está a vender, e a PT, Controlinveste e Ongoing posicionam-se para comprar o canal então envolto em polémica com José Sócrates e a sua acusação de “Telejornal travestido.” As escutas do Face Oculta divulgadas pelo “Sol” indiciam que o avanço para a TVI pela PT seria um esquema do executivo para controlar os media com um novo grupo, esquema no qual a Ongoing também representaria o seu papel. Nas escutas, também Soares Carneiro, então administrador da PT, acaba por ser ouvido. Pouco depois, José Eduardo Moniz, ex-director-geral daTVI, está a trabalhar na Ongoing. Mas o negócio TVI não corre bem e a Ongoing acaba por reforçar o assédio ao controlo da Impresa, que levará a uma troca de processos judiciais entre as empresas, cujas decisões seriam favoráveis a Balsemão.
A referência anterior a Soares Carneiro não surgiu por acaso. Todas estas movimentações do grupo de Vasconcellos e Mora exigiam capital e, como atrás referimos, havia muito a acontecer com o dinheiro da PT – e não só na Rioforte. Foi em Julho de 2009 que Jorge Tomé, representante da CGD na PT, denunciou que o Fundo de Pensões da operadora, presidido por Soares Carneiro, aplicou 75 milhões de euros em fundos de alto risco da Ongoing, que assim se ia financiando: também o BES aplicou largos milhões nestes fundos. O assunto foi polémico e Soares Carneiro acabou por sair da PT para a Ongoing.
O crescimento agressivo da empresa nestes anos atraiu uma imensa atenção mediática. As contas e as dívidas acumuladas da Ongoing começaram a ser temas recorrentes e as movimentações e contratações da empresa já não passavam despercebidas: Agostinho Branquinho, deputado do PSDé contratado poucos meses depois de lançar a célebre “O que é a Ongoing?”, segue-se Silva Carvalho, as ligações às secretas, e uma sucessão de polémicas, que vão das renegociações de dívidas com Armando Vara, já no BCP-socrático, aos processos judiciais no Brasil, tudo enquanto Vasconcellos e Mora se preparam já para um terreno mais laranja do que cor-de-rosa: Miguel Relvas, José Luís Arnaut, Eduardo Catroga participam numa reunião de quadros do grupo.
Depois chegou a crise. A Ongoing, já encadeada e demasiado exposta perante os holofotes, dá por si em igual situação perante os custos da dívida, isto quando a PT já está em decadência. A lista de polémicas às costas parece infindável, até porque por esta altura já as ligações no Brasil a Lula da Silva e José Dirceu eram cada vez mais noticiadas, o que fez com que a luz dos amigos anteriores começasse a fundir-se: Ricardo Salgado e o BES fazem saber que as ligações com a Ongoing “nunca foram assim tanto quanto se dizia” – ironicamente como muitos dirão hoje sobre o próprio BES – e o grupo empresarial decide afastar-se do mediatismo. Apesar disso, certo é que as repercussões e réplicas do percurso dos últimos anos ainda hoje se fazem sentir, como o início do julgamento do caso das Secretas, agora em Abril, abordado nas páginas seguintes.
Ver também:
in: Jornal i, 28 Março 2015
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