Zeinal Bava. O “sr. Euromilhões dos accionistas” que subiu e caiu com o BES
A proximidade a Salgado foi aspecto crucial na ascensão (e posterior queda) dentro da PT
“Não pedimos desculpas por ter ambição, pedimos desculpas quando falhamos.” Esta é uma das frases mais atribuídas a Zeinal Bava, dita algumas vezes em reuniões da operadora. Um dos cunhos que Bava terá imprimido à PT foram maiores níveis de exigência e a primazia ao mérito. A este cunho não será alheio o percurso e a postura de Bava, que nunca se coibiu de aceitar pequenos empregos na juventude para ser responsável pelos seus próprios trocos e que abdicou do seu sonho em nome do pragmatismo profissional: queria ser médico mas o futuro estava nas tecnologias. O médico caiu, o gestor surgiu.
O gosto pela meritocracia que lhe atribuem, porém, chocou com as necessidades diplomáticas da vida de uma empresa dominada por um bloco de accionistas dependente dos dividendos da operadora e cuja fronteira nunca se cingiu ao privado: do lado público, muitos foram os filhos de notáveis que encontraram emprego na PT de Bava e são recorrentes as referências a negócios feitos mais por razões políticas do que de gestão.
Entrou na operadora em 1999 como administrador financeiro da PT Multimédia, empresa que esteve na origem da actual NOS. Apenas um ano antes, Bava tinha chegado à Merril Lynch, fruto da carreira que já construíra na banca de investimento. Em 1989 foi nomeado director para a Península Ibérica do Warbund Dillon Read, cargo que fez cruzar o seu destino com a PT, à época a viver as primeiras fases de privatização.
Convidado por Murteira Nabo, em menos de dez anos chegou a CEO da operadora, nomeado pelos accionistas em 2008. A ligação e a aprovação de Ricardo Salgado, líder do grupo que encabeçava o núcleo duro de accionistas da PT, foi fulcral na ascensão do gestor na operadora, numa relação mutuamente benéfica: para Bava deu-lhe oportunidade de subir, ser reconhecido internacionalmente com prémios e ganhar milhões de euros em remunerações fixas e variáveis. Já para os accionistas, os anos de Bava foram de extrema generosidade em termos de dividendos – “transformou a PT no Euromilhões dos accionistas”, chegou a acusar a Comissão de Trabalhadores da PT. E terá a empresa também beneficiado desta estreita relação gestão/accionistas? Se há poucos anos muitos diriam que sim, o fim da operadora, retalhada e desvalorizada, levanta dúvidas sobre esses eventuais benefícios.
“No meu tempo a PT nunca fez empréstimos ao BES nem a ninguém. A PT não é um banco.” A frase é de Murteira Nabo, CEO da PT de 1996 a 2003, e remonta a Julho de 2014, quando se tornou pública a questão do incumprimento dos 897 milhões emprestados pela PT ao GES. A prática de investir em dívida de curto prazo de empresas do grupo Espírito Santo tornou-se uma realidade na PT ao longo de 2001, tendo sido prática corrente na maioria dos anos em que Zeinal Bava foi CFO e CEO da PT. Porém, quando rebentou o escândalo do financiamento ao GES, já Bava estava longe da PT – foi para a liderança da Oi em 2013, onde resistiu pouco mais que um ano.
Tendo acumulado fama de exigente, implacável para quem o desilude e de defensor da cultura de mérito, os últimos anos terão sido de difícil digestão para Bava: a PT desfez-se consigo ao leme e nem a saída para a Oi lhe permitiu isolar-se da responsabilização pela queda. Além disso, é também de notar que a hecatombe da operadora não teve reflexo na sua remuneração ou dos seus administradores, com os prémios variáveis da PT a manterem-se dentro dos níveis mais altos de sempre, totalizando 12,1 milhões de euros só em 2014. A defesa do primado do mérito que tantos lhe atribuem entra assim em choque com a prática recente da PT: enquanto a PT desvalorizou 90% desde 2010, os administradores ganharam em média 11,3 milhões anuais de 2010 a 2014, mais do que nos anos anteriores.
Nascido em Lourenço Marques, actual Maputo, em 1965, Zeinal Bava festeja este ano o seu 50º aniversário. Chegou a Lisboa em 1975, de onde saiu para Londres, com 14 anos, para um colégio interno. Formou-se na University College of London e depois de tentar a consultoria, avançou para a banca de investimento através do Efisa de Abdool Vakil.
in: Jornal i, 26 Fevereiro 2015