Bolsa. Lisboa negoceia em mínimos de 2012 enquanto Europa dispara
No Verão passado a Bolsa de Lisboa perdeu a Espírito Santo Financial Group e o BES, que deverão ser substituídos no próximo mês. Mas será o PSI20 capaz de recuperar?
Na sexta-feira passada a euforia tomou conta da bolsa alemã quando o principal índice, o DAX, ultrapassou a barreira dos 11 mil pontos, um máximo histórico. Apesar de ter fechado a negociar nos 10 963 pontos, a verdade é que parece que a praça germânica continua no bom caminho depois de quatro anos marcados pela elevada volatilidade que a crise financeira acabou por potenciar nos mercados. Desde o início de 2012 que o DAX tem vindo a subir consistentemente, tendo sido dos primeiros a começar a trajectória ascendente.
O IBEX 35, o índice madrileno, começou a sua recuperação a meio de 2012, tal como aconteceu com o FTSE, italiano, e com o CAC, francês. E até o PSI20 começou a dar sinais de alguma retoma a meio de 2012. A diferença? É que, enquanto todos os outros já voltaram a tocar patamares em que negociavam em 2010, o índice lisboeta está muito longe desse objectivo. Aliás, vale a pena olhar para a evolução do ISEQ, o índice irlandês, que desde 2010 já disparou 92% e está actualmente a cotar em máximos de 2008, o ano em que rebentou a crise.
Quando comparamos, por exemplo, a evolução do PSI 20 com a evolução do Euro Stoxx 50 – o índice europeu que reúne as 50 principais empresas da região – vemos que até fazem ambos o mesmo movimento, ou seja, valorizam e desvalorizam praticamente nas mesmas alturas desde 2010 até agora.
Questionado sobre este alinhamento do PSI 20 com os movimentos das suas congéneres europeias, o presidente da Euronext Lisbon, Luís Laginha, explicou em declarações ao i que “há uma grande ligação dos mercados europeus e às vezes há momentos de descontinuidade – uns que nos favorecem, outros que são menos favoráveis –, mas acaba por haver um grande alinhamento, uma vez que também este processo de integração europeia tem levado a que a nossa ligação aos mercados europeus seja cada vez maior, e portanto as empresas europeias têm essa relação com os mercados europeus”.
O problema é que até meio de 2012 o PSI 20 desvalorizou de tal forma que os máximos de 8 mil pontos a que chegou a negociar em 2010 parecem ainda muito longe. A acompanhar Portugal só mesmo a Grécia. O principal índice ateniense, o ASE25, subiu 75% desde 2010 mas continua a tentar recuperar dos mínimos de 2012.
E por cá? Por cá não há sequer números positivos para mostrar. Entre 2010 e o dia de sexta-feira, o PSI 20 escorregou cerca de 29% e negoceia em mínimos de 2012, que é como quem diz, pouco acima da barreira dos 5 mil pontos. Ontem, a Bolsa de Lisboa fechou a valer 5337,12 pontos, numa sessão em que o PSI 20 subiu uns ligeiros 0,04%, impulsionado pelos desempenhos da Mota-Engil, da Galp, do BCP e do BPI. A potenciar as perdas da bolsa nacional no ano passado está a penalização do índice provocada pelo colapso do Grupo Espírito Santo, e consequentemente pela resolução do Banco Espírito Santo. As autoridades ainda estão a apurar o que aconteceu nos últimos dias de Julho, naquela que foi a semana horribilis para os títulos do BES, que afundaram para os 10 cêntimos. No dia 11 de Agosto, já o BES tinha passado a bad bank e o Novo Banco tinha tomado o seu lugar, os títulos foram retirados de bolsa, com uma valorização de zero euros. Acontecimentos destes penalizam inevitavelmente um mercado pequeno, como é o caso do português. A pressão vendedora foi notória sobretudo em Agosto, após a derrocada do império Espírito Santo, mas também logo no início deste ano, com o PSI 20 a chegar a negociar em mínimos de dois anos.
O presidente da bolsa nacional mostrou-se despreocupado com a prestação do índice nacional, notando que “a nossa história demonstra-nos” que os mercados têm “uma grande capacidade de recuperar”. “Nos últimos ‘Euronext Lisbon Awards’ terminei a minha intervenção com uma referência a um estudo feito sobre os últimos 113 anos da bolsa portuguesa”, em que se vê que “ao longo desses últimos 113 anos tivemos guerras mundiais, a Grande Depressão, a descolonização, as nacionalizações, intervenções do FMI, tudo o que são fenómenos de grande gravidade e complexidade. E que por muito que esses acontecimentos tivessem tido um impacto, por vezes de grande dramatismo, o mercado teve sempre capacidade de recuperar. Mais, que a rendibilidade média do investimento em bolsa ao longo desses 113 anos, para quem tivesse uma carteira diversificada, foi de 12,7% – que compara com uma rendibilidade média de cerca de 5% para quem tivesse investido em títulos de dívida pública”, salientou o responsável. E continuou com uma mensagem de optimismo: “As empresas têm conseguido ultrapassar as dificuldades do mercado doméstico e têm sido resilientes neste período muito difícil. Isto significa que os períodos de dificuldades, por muito que gostássemos de os evitar… mas aquele ditado popular que diz que a dificuldade aguça o engenho tem também a sua tradução prática… As vezes se calhar não precisava de ser tão aguçado, não é? [risos].” No entanto, concluiu Laginha, “estes períodos de dificuldade que trazem um impacto negativo e de grande sofrimento para muita gente, à medida que são incorporados e digeridos, acabam por levar à mudança de comportamentos e atitudes que têm algo em si de muito positivo, de regenerador, de encontrar novas formas de fazer as coisas, de ultrapassar dificuldades e limitações do mercado doméstico”.
Grupo PT. Mercado e accionistas trucidaram empresa na bolsa
Além do colapso do Grupo Espírito Santo, e em parte por causa do mesmo, a hecatombe da Portugal Telecom (PT) também passou uma factura muito elevada à bolsa portuguesa e aos seus investidores, sobretudo aos pequenos accionistas. OPSI20 recuou quase 28%ao longo do ano passado, prestação para a qual muito contribuiu a desvalorização em 73% dos títulos da PT – que desde 2010 perdeu mais de 90% do seu valor.
Nos últimos cinco anos, a Portugal Telecom passou de acção bestial a acção-besta da bolsa portuguesa. Em 2010 a empresa fechou a venda da Vivo aos espanhóis daTelefónica por 7,5 mil milhões de euros, com os seus maiores accionistas a aprovarem para si um dividendo milionário. Graças a este pagamento extraordinário aos accionistas, por cima de um dividendo já por si simpático, as hipóteses de internacionalização da operadora ficaram mais limitadas:os 7,5 mil milhões de euros recebidos pela Vivo deram lugar a um investimento de menos de metade daquele valor na Oi, operadora de telecomunicações altamente endividada – a ponto de já ter vendido os activos portugueses que antes pertenciam à Portugal Telecom.
As relações estreitas entre a administração daPortugal Telecom e alguns dos seus accionistas – os que escolhiam a administração, no fundo – trouxe outros problemas além dos dividendos multimilionários pagos aos maiores accionistas e dos igualmente milionários salários fixos e variáveis pagos aos administradores, com os financiamentos da operadora ao Grupo Espírito Santo a acabarem por correr mal: “tantas vezes vai o cântaro à fonte…” Ao todo foram 897 milhões de euros perdidos pelaPortugal Telecom na Rioforte aquando do “colapso Espírito Santo”, um calote que criou o enquadramento perfeito para os brasileiros da Oi – então já liderados porZeinal Bava, que chegou à PTvindo da banca de investimento, empresa onde foi subindo muito graças à boa relação com Ricardo Salgado.
Confrontados com o buraco de 897 milhões de euros deixado pela Rioforte na PT, os brasileiros daOi avançaram para a redução da posição dos accionistas da PTna operadora brasileira. Esta posição foi a moeda de troca pela transferência dos activos da PT – como o Meo, por exemplo – para mãos brasileiras, fazendo com que a Portugal Telecom que hoje existe na bolsa não seja mais que um mero veículo de uma participação a rondar os 25% daOi – isto quando há poucos anos era uma empresa que se vendia nos mercados como tendo mais de 100 milhões de clientes.
in: Jornal i, 17 Fevereiro 2015