TDT. Mercado foi feito à medida da PT mas monopólio vai mudar de mãos
A TDT serviu para criar novos monopólios para aPT, concluiu investigador. Na altura, Denicoli foi ameaçado com processos em tribunal mas nada aconteceu
“Tudo o que previa, aconteceu.” É com esta simples frase que Sérgio Denicoli, investigador e professor da Universidade do Minho, olha agora para as conclusões apresentadas na sua tese de doutoramento, aprovada a 30 de Outubro de 2012. “Os factos demonstram que estava correcto”, salienta ao i. Na altura, a Portugal Telecom e a Anacom, regulador das telecomunicações, reagiram em força contra as conclusões da dita tese, mas foi mais para a fotografia. Os processos que foram prometidos contra Denicoli não passaram disso mesmo, promessas. Pouco mais de dois anos depois do doutoramento, a Televisão Digital Terrestre (TDT), que permitiu “a formação de monopólios” pela PT, é mais um activo que está a leilão pela brasileira Oi.
Entre as várias conclusões a que o investigador chegou na análise a todo o processo de implementação da TDT em Portugal, Sérgio Denicoli salientou a existência de “fortes indícios” de “captura do regulador pela PT”, destacando que a operadora foi, “de longe, a principal beneficiada” com a TDT, salientando então que “a Portugal Telecom obteve muitos benefícios por parte da Anacom, o que pressupõe que o regulador estaria a operar em benefício do regulado”. A captura regulatória, diz a tese, “é uma prática de corrupção, pois gera ganhos privados, que nem sempre são financeiros”.
No dia seguinte à defesa da tese, a então gigante portuguesa reagiu com força: “A PT não pode deixar passar em claro mais esta grave ofensa ao seu bom nome, por parte do senhor Sérgio Denicoli, pelo que irá recorrer ao meios judiciais para repor a verdade e defender os seus direitos.” Mas a PT pariu um rato e nada fez, tal como avançou o “Público” em Maio de 2013, pouco depois de expirar o prazo que a PT tinha para accionar judicialmente o professor daUniversidade do Minho. A Anacom também admitiu avançar para tribunal, mas nada fez.
Na altura do processo de implementação daTDT, “havia uma teia de relações onde se misturavam ligações com o mercado e com os partidos (…). Tais ligações tinham outras ramificações, inclusive com accionistas dos regulados”, uma relação demasiado estreita e que “deixa em suspeita a real independência da Anacom”, diz Denicoli no doutoramento.
O autor salienta que a TDTserviu para criar três situações de monopólio distintas para a já dominante operadora de telecomunicações: “A primeira delas foi quando o mercado da distribuição dos sinais televisivos terrestres, antes livre, foi entregue somente à PT (…). A segunda situação é referente à aceitação da Anacom da desistência da PT em operar os canais da TDT por subscrição e a simples extinção do projecto, ou seja, sem a indicação para a realização de um novo concurso ou a entrega das licenças ao segundo colocado, no caso a AirPlus TV. Com isto, a PT evitou a entrada de um concorrente à plataforma MEO no mercado de TV paga. A terceira situação que identificamos foi a formação do monopólio na venda dos kits satélite para a recepção do sistema DTH.”
Toda esta teia de relações que acabaram por beneficiar a Portugal Telecom fazem agora parte dos activos que foram transferidos para a brasileira Oi que, por seu turno, está prestes a vendê-los aos franceses da Altice, que além da posição dominante na TVpor subscrição – MEO e a Cabovisão ficam com 51% de quota –, herda também os monopólios que se deram à PT na TDT.
in: Jornal i, 8 Dezembro 2014