OE/2015. OCDE apoia as metas mas discorda do caminho

Maria Luís Albuquerque inverteu a estratégia da recuperação apostando no consumo. Já OCDE insiste que recuperação está nas exportações

O país está mais pobre e cada vez mais desigual, as rendas excessivas ainda não foram atacadas, a dívida vai continuar a subir e a retoma virá do caminho oposto àquele que foi desenhado pelo governo para 2015. Apesar disto tudo, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) vê em Portugal um país “reformador por excelência”, que começa “agora” a recolher frutos.

Angel Gurría, secretário-geral da OCDE, marcou ontem presença em Portugal para apresentar o mais recente relatório sobre a economia portuguesa deste organismo, numa visita aproveitada para tecer elogios e alertas ao executivo. Os elogios, porém, não implicam que a visão da OCDE sobre a economia seja igual à do governo, com a instituição a mostrar-se mais pessimista sobre a evolução das contas públicas no próximo ano. Para a OCDE, a economia portuguesa só deverá crescer, no máximo, 1,3% do PIB em 2015 – contra os 1,5% estimados pelo governo da maioria. O défice deverá atingir os 2,9% (o governo prevê 2,7%) e a dívida pública situar-se nos 128,3% (para o executivo ficará pelos 123,7%).

No caso do PIB, a organização até está mais optimista quanto ao crescimento das exportações – 5,4% contra os 4,7% antecipados pelo executivo. Ora o governo já foi obrigado a rever em baixa as perspectivas económicas ao longo deste ano, com Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças, a aceitar o consumo privado como motor do crescimento tanto em 2014 como em 2015.

Opinião distinta têm, porém, os técnicos da OCDE. Além de anteciparem taxas de crescimento inferiores à do governo, tanto este ano (0,8% contra 1%) como em 2015, para a organização esta melhoria ficará quase integralmente dependente do comportamento dos mercados para onde Portugal exporta, já que estimam não mais de um crescimento de 0,5% no consumo privado em 2015 – contra os 2% esperados pelo executivo. Com uma menor recuperação do consumo das famílias portuguesas, naturalmente que também as expectativas em relação à evolução das importações em 2015 são distintas: a OCDE acredita que estas não cresçam mais de 3%, ao passo que Maria Luís Albuquerque colocou as contas do OE2015 dependentes de uma subida de 4,4% nesta rubrica. Mas se a ministra fez isto, a OCDE ficou retida no episódio anterior, com Gurría a salientar ontem que “a economia de Portugal está a orientar-se cada vez mais para as exportações”.

O governo assumiu a mudança do perfil da recuperação em Agosto, aquando do segundo orçamento rectificativo. Nesse documento, as Finanças inverteram o caminho que estavam a querer seguir para a recuperação: se Portugal ia crescer 0,8% graças a um salto de 1,1% na procura externa, com o OER2 o crescimento passou a 1% e totalmente assente na procura interna, com a externa a ser revista para uma queda de -0,1%. Se cruzarmos as diferentes previsões das Finanças para a evolução das exportações em 2014 percebe-se porquê: no OE inicial estas iam subir 5%. Depois, no primeiro rectificativo, já iam disparar 5,7%; Por fim, e já no segundo rectificativo, a subida das vendas ao exterior ficou-se por 4,1%.

Pobreza e desigualdade “Portugal é um dos países reformadores por excelência”, afirmou Angel Gurría, com a OCDE a defender no seu relatório que “existem ainda provas de excesso de emprego em áreas específicas, como as forças de segurança e a educação”. Mas além dos recados, a OCDE deixou igualmente alertas: Portugal persiste como um dos países mais desiguais da Europa e a pobreza não pára de crescer.

Tal como o i avançou aquando da divulgação dos dados oficiais da população em risco de pobreza, a forma de cálculo da mesma não adapta a fronteira em que se entra em risco de pobreza ao empobrecimento geral do país. “Pessoas que eram pobres em 2009 podem ter deixado de o ser em 2012, não devido a uma melhoria do seu rendimento, mas simplesmente porque o limiar da pobreza caiu em paralelo com o rendimento mediano”, diz a OCDE. O organismo recupera assim os números alternativos, que contrariam os 17,9% de pobreza oficial com perto de 25%.

A escassez é especialmente sentida por crianças e jovens, sendo também potenciada pelo facto de “Portugal ter uma das distribuições de rendimento mais desigual da Europa”, apontou Angel Gurría.

As rendas excessivas duram e duram e duram…

OCDE defende antecipação dos cortes no sector da energia

São vários os conselhos que a OCDE deixa no relatório sobre a economia portuguesa ontem divulgado. A maioria destes são recorrentes, mesmo os que já estão em vigor, mas há uma recomendação que merece destaque: as rendas excessivas pagas ao sector da energia, defeito várias vezes apontado desde o memorando de entendimento celebrado em 2011.

Para a OCDE, o calendário desenhado pelo governo para acabar com os preços garantidos pagos pelos contribuintes aos produtores de electricidade prevêem que as rendas continuem a existir por pelo menos mais 13 anos, um calendário que a OCDE considera desadequado, defendendo uma negociação mais séria por parte do executivo para eliminar antes do previsto estes ganhos garantidos para o sector privado.

Além de cortar nestas rendas, o organismo aponta também que o governo deve prosseguir com o esforço de redução do número de funcionários públicos, deixando para o fim das suas recomendações o ataque à pobreza e desigualdade crescentes em Portugal. Segundo a OCDE, a rede de protecção social do Estado precisa de ser remendada de tanto corte que já foi dado, a começar pela redução de sobreposições de programas, prosseguindo para sugerir o aumento dos valores pagos a nível de rendimento social de inserção (RSI). A OCDE estima que ao eliminar sobreposições e a melhorar a fiscalização dos apoios sociais o Estado pode reforçar as verbas para o RSI sem penalizar as contas públicas.

Desligar o subsídio de desemprego da idade do beneficiário, o avanço de mais políticas de emprego – e o acompanhamento das mesmas – assim como a aposta na educação e reintegração de adultos no sistema escolar são outras das sugestões da OCDE.

in: Jornal i, 28 Outubro 2014

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