Orçamento. Despesa sem juros e salários subiu 618 milhões em vez de cair

Executivo queria cortar 870 milhões na despesa sem juros e salários em 2014. Aumento do IRS compensa descontos do governo no IRC

Apesar das justificações do governo apontarem as despesas com pessoal – leia-se o chumbo do Tribunal Constitucional – como única razão para a execução orçamental estar longe das expectativas, tal não é mais que uma análise redutora do real estado da consolidação das contas.

Ao retirarmos as componentes dos juros e gastos com pessoal do cálculo das despesas totais do Estado, nota-se que entre Janeiro e Julho esta despesa cresceu 618 milhões de euros (+2%) face aos números comparáveis do mesmo período de 2013. Este é um valor que está bem longe da meta do governo para 2014 no que toca às despesas sem contar com salários e juros, já que o executivo prevê acabar o ano com uma quebra de 1,5% nas despesas excluindo salários e juros.

As projecções feitas no Documento de Estratégia Orçamental – e também no OE2014 – prometiam um corte de 3,1% na despesa total do Estado este ano, de 81,2 mil milhões para 78,7 mil milhões. Parte desta redução de gastos vinha de outras rubricas que não as despesas com pessoal. As previsões do governo antecipavam uma redução anual de 869 milhões de euros das despesas além das conseguidas à conta dos cortes nas remunerações dos funcionários públicos e do pagamento de juros. Expurgando da despesa as verbas para juros e pessoal, as previsões do governo antecipam uma quebra nos restantes gastos do Estado de 1,5%, ou de 56,5 mil milhões para 55,6 mil milhões.

Aplicando a mesma lógica à evolução da execução orçamental até Julho, ontem divulgada pela DGO (em baixo), conclui-se que a despesa, sem as componentes de juros e salários do Estado, está a subir 2% até Julho, mais 617,8 milhões de euros. Um cenário contrário ao estimado no DEO e que evidencia que há uma diferença negativa de 1 080 milhões entre o aumento da despesa até Julho (mais 618 milhões) e o valor que uma queda de 1,5% nestas despesas representaria até Julho (menos 462,4 milhões).

Além do conjunto de despesas de que o governo mal fala estar a crescer, quando devia estar a cair, também há a referir as receitas fiscais: o executivo está a conseguir o dobro do que tinha previsto (mais 4% contra 2%). Isto significa mais 735 milhões de euros em impostos entre Janeiro e Julho face a 2013, ou mais 368 milhões de euros face ao crescimento previsto na cobrança fiscal para este ano.

Esta receita extra, porém, está a ser queimada pela derrapagem nas despesas antes salientada, que não só anula o esforço dos contribuintes como faria com que os cortes salariais na função pública apenas servissem para disfarçar a falta de consolidação na restante despesa. A tudo isto há ainda a juntar a Segurança Social: o governo prevê uma queda nas contribuições (-0,4%) e estas estão a crescer (+3,1%) até Julho, outro encaixe extra (240 milhões) anulado pela evolução da despesa além de juros e pessoal.

in: Jornal i, 26 Agosto 2014