Empresas públicas pagam à banca quase o triplo do que gastam em salários

Empresas públicas gastaram 829 milhões de euros em juros, dos quais 585 milhões foram para a banca – mais 260% do que o valor que as empresas pagam aos trabalhadores

Forçadas a reduzir salários e a oferta de serviços aos utentes, assim como a despedir milhares de trabalhadores e aumentar mais de 20% os preços praticados ao público, as principais empresas públicas reclassificadas (EPR) continuam a mobilizar vastos recursos financeiros para pagar juros à banca.

No ano passado, e segundo o relatório de acompanhamento da execução orçamental do Tribunal de Contas, as empresas públicas reclassificadas, aquelas que contam para o défice, pagaram 828,8 milhões de euros em juros, dos quais 239,3 milhões foram juros pagos ao Estado e 589,6 milhões foram pagos a “outras entidades”, essencialmente do sector bancário. Apesar de falarmos num universo de 54 entidades, esta fogueira dos juros arde essencialmente em sete empresas públicas, responsáveis por 99,4% dos juros totais pagos pelas EPR.

A maioria destas empresas são de transportes e infra-estruturas – Estradas de Portugal, Refer, metros de Lisboa e Porto e Parque Escolar -, mas o lote inclui duas sociedades, Parvalorem e Parups, que herdaram os activos mais tóxicos do Banco Português de Negócios (BPN). Estas sete sociedades gastaram durante o ano passado 823,9 milhões de euros só em juros – que não abatem qualquer valor em dívida -, dos quais 585 milhões foram para instituições financeiras. Em comparação, estas mesmas empresas gastaram menos de metade desse valor a remunerar os seus trabalhadores: 226 milhões de euros. Assim, no ano passado, os bancos receberam destas empresas mais 260% do que o valor gasto pelas mesmas empresas em remunerações – uma proporção que seria bem mais díspar se tivessem avançado os cortes salariais violadores da Constituição.

Em nota de comparação, veja-se o seguinte: caso o Estado gastasse em juros 260% daquilo que gasta em salários na função pública, falaríamos de uma factura anual em juros de 24,5 mil milhões de euros, que compara com a factura actual a rondar os sete mil milhões de euros. Dito de outra forma, em vez de o Estado gastar 4,1% do PIB em juros, estaria a gastar 15% do PIB só pelos encargos da sua dívida.

Esta relação entre as empresas públicas e os juros é mais complexa do que o cenário agora retratado pelo Tribunal de Contas. Uma parte das empresas de transportes e infra-estruturas pagaram cerca de mil milhões de euros aos bancos para antecipar o fim de dezenas de contratos swap. Estes pagamentos, em alguns casos financiados por empréstimos do Tesouro, permitiram já no ano passado uma redução dos encargos dessas empresas com juros associados a esses contratos. O efeito deve continuar enquanto as taxas de juro em mercado estiverem baixas.

Ao mesmo tempo que continuaram a respeitar os encargos com a banca, as empresas que estão no perímetro das contas públicas, diminuíram em mais de três mil o número trabalhadores dos seus quadros, reduziram os salários, aumentaram as horas de trabalho e cortaram nos suplementos remuneratórios.

in: Jornal i, 12 Agosto 2014

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