1848: Revoluções de ideias ou de fome?

Recensão para o curso “Revoluções Contemporâneas – XVII a 1917”, da Escola de Verão da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (Classificação final: 18 valores)

A análise a que nos propomos vai comparar dois artigos que apontam para origens aparentemente antagónicas para o eclodir dos vários movimentos revolucionários que em três semanas atravessaram a maioria da Europa em 1848. Partiremos de uma análise breve a cada texto, e seus principais argumentos, para de seguida olharmos para os pontos em que os autores coincidem ou se opõem, para no final defendermos a posição de que os artigos, aparentemente contraditórios, são essencialmente complementares.

Os artigos em questão são “Artisans and intellectuals in the german revolution of 1848”, de Alvin W. Gouldner, elaborado em 1983, e “Economic Crises and the European Revolutions of 1848”, de 2009, escrito por Helge Berger e Mark Spoerer. Começaremos pela proposta de Gouldner, já que mais antiga, que nos leva a olhar para uma revolução particular, a alemã, para depois abrirmos o campo até reflexões comuns aos países envolvidos nas revoluções de 1848, já pelas palavras de Berger e Spoerer.

No artigo “Artisans…” é-nos apresentada inicialmente uma visão surpreendente sobre a composição da “classe trabalhadora” que Marx terá encontrado na Alemanha, numa tentativa de explicar o porquê das expectativas marxistas sobre o aparecimento de uma enorme revolução do proletariado terem saído, na globalidade, goradas. Mas este acaba por ser um pormenor na articulação do autor, já que de facto a ideia que o artigo mais tenta consolidar passa pela defesa de que a revolução na Alemanha foi um movimento não de massas mas sim de uma elite intelectual que foi emergindo nas décadas anteriores – uma elite que todavia não conseguiu chegar aos patamares sociais, económicos e políticos que anos antes estaria à disposição de uma franja de intelectuais equivalente. Terá sido esta a classe que Marx encontrou e que identificou como  “o proletariado”, isto quando era composta sobretudo por artesãos (em oposição a operários fabris), mais dispostos à militância e já habituados a uma organização hierárquica fruto das associações ou sindicatos em que se organizavam as suas ocupações. Ao contrário da ideia que temos hoje, diz o autor, à época havia uma ligação mais próxima entre as profissões artesanais e a primeira franja de intelectuais, chamemos-lhe assim, entre os quais o autor inclui jornalistas e um crescente número de pessoas com educação superior, graças às reformas das Universidades.

Segundo explica Gouldner, a emergência das sociedades industriais no séc. XIX levou a uma reacção social que visava compensar a anonimização que as fábricas impunham às pessoas: este foi um século de organização, com o aparecimento de várias associações, desde as mais secretas a “meros” partidos políticos, que procuravam unir, reafirmar e defender as pessoas e suas ideias/reivindicações. Estas reuniões de indivíduos surgiram baseadas nas experiências anteriores de associação vindas dos artesãos e das suas corporações de ofícios, o que deu a esta classe um papel de relevo na época. Para o autor, foram estas associações que se colocaram entre Marx e o proletariado e nem as organizações mais radicais que emergiram eram lideradas por “mãos de fábrica”.

É a partir deste enquadramento que Gouldner avança para sublinhar o papel fundamental que atribui aos artesãos na organização das revoltas de 1848. Recorrendo a um trabalho de Rudolf Stadelmann[1], de 1948, para afirmar que a privação económica per se não cria uma onda revolucionária, o autor parte para a defesa de que coube aos artesãos, confrontados com a desenraização humana imposta pelo sistema fabril, elevar-se como os principais militantes revolucionários da Alemanha de 1848… [Continuar a ler]


[1]Soziale und politische Geschichet der Revolution von 1848”, R. Stadelmann, 1948

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