Contas públicas. Despesas estão a cair, receitas a subir, mas défice quase triplicou
Juros e outros encargos com a dívida pública continuam a condenar estratégia de estrangulamento da economia portuguesa com impostos
As despesas com subsídio de desemprego estão a cair 13% este ano, o “enorme aumento de impostos” continua a delapidar os rendimentos dos portugueses, que estão a pagar mais 10% de IRS em 2014, o Estado reduziu 4% as despesas com o pessoal graças à “medida de redução remuneratória prevista na Lei do Orçamento do Estado para 2014”. Estes comportamentos, à partida, indicariam que o défice está a cair. Nada mais errado. De Março para Abril o buraco das contas públicas saltou de 846,7 milhões de euros para 2,258 mil milhões de euros, um agravamento de 167% em 30 dias. Culpa do custo da dívida pública, que continua em rota ascendente (ver texto ao lado).
A Direcção-Geral do Orçamento divulgou ontem a síntese da execução orçamental até Abril deste ano e até a comparação com o estado das contas públicas em Abril do ano passado não é propriamente animadora: nos primeiros quatro meses do ano passado, o governo registava um défice acumulado de 2,41 mil milhões de euros. Este défice recuou ligeiramente este ano, para 2,21 mil milhões de euros. Mas a melhoria do défice em 191 milhões parece ficar aquém do esforço imposto à economia em 2014, tanto no ritmo da evolução das receitas do Estado como em relação aos constantes cortes que o governo tem feito – em salários, pensões e subsídios de desemprego, entenda-se.
A melhoria de apenas 191 milhões no défice até Abril deste ano em comparação com o mesmo período de 2013 deve assim ser analisada tendo em conta o aumento de 915 milhões de euros da receita efectiva do Estado, entre os quais estão mais 392 milhões cobrados em IRS aos trabalhadores portugueses – ao todo, a receita fiscal cresceu 524 milhões de euros só desde Janeiro. Além disso, a melhoria do défice deve também ser vista à luz da poupança de 113 milhões de euros com prestações sociais entre Janeiro e Abril deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado, conseguido essencialmente pela redução dos gastos com o desemprego: o valor despendido passou de 972 milhões para 844 milhões. A juntar a tudo isto, temos ainda os 163 milhões poupados em salários públicos.
Então por que razão houve uma correcção tão limitada do défice e a subida do mesmo durante Abril? A resposta está nos juros cobrados pelos “parceiros” europeus e demais detentores de dívida portuguesa, que em quatro meses dispararam 21,7%, ou seja, mais 316 milhões de euros. “Foi a Europa que nos emprestou fundos quando os mercados não confiavam em Portugal”, saudou ontem Passos em campanha para as europeias. Estes empréstimos, porém, não só terão servido para salvar a banca alemã e francesa, como já foi explicado por Phillippe Legrain, ex-conselheiro de Durão Barroso, como só este ano já custaram 405,5 milhões de euros só em juros – e mais 37 milhões em comissões. Este tipo de solidariedade continua assim a ter um preço bem elevado que está a ser pago quase exclusivamente por trabalhadores e pensionistas. Veja-se que as receitas fiscais do Estado em IRC continuam em queda, depois da entrada em vigor da reforma de Lobo Xavier, do CDS e também do grupo Sonae. “Quem olha para a Europa como a possibilidade de ter almoços grátis não sabe o que é a construção europeia”, afirmou ainda Pedro Passos Coelho, enquanto almoçava na cervejaria Trindade em campanha – desconhecemos se terá sido um almoço grátis.
Além do aumento da factura dos juros, há ainda a salientar o crescimento de 1,9% das despesas da administração central com a “aquisição de bens e serviços”. Os gastos saltaram de 2,8 mil milhões para 2,92 mil milhões nos primeiros quatro meses do ano.
in: Jornal i, 23 Maio 2014