Fim Regime. “Rebenta fechaduras do portão para verem que é a sério”

Execução: Deslocar na madrugada de 25ABR74 dez viaturas blindadas, 160 homens, 12 viaturas de transporte. Missão: Controlar Lisboa

“1 – SITUAÇÃO

a. Forças IN – Conforme ordem de operações MOFA 2312ABR74

b. Forças amigas – Idem

c. Reforços – Nada

2 – MISSÃO

Instalar em Lisboa controlando os acessos ao Banco de Portugal, Companhia Portuguesa Rádio Marconi e Terreiro do Paço estabelecer ligação com o PC na sede de ligação FOX TROT 2.

3 – EXECUÇÃO

a. Conceito da operação

– Deslocar na madrugada de 25ABR74 um Esq. Rec. a 10 Viaturas Blindadas e um Esq. de Atiradores a 160 homens com 12 Viaturas de transporte pessoal, 2 ambulâncias e 1 Jeep. Estas forças deviam iniciar o movimento pelas 03h00 e deslocar-se o mais rapidamente possível afim de entrar em posição ainda de noite.”

Salgueiro Maia recebeu a ordem de operações para a Escola Prática de Cavalaria (EPC) na noite de 23, numa reunião com “um contacto do movimento” na Pastelaria Bijou, em Santarém. “Fui vigiado e seguido por 2 homens que se deslocavam num Corola”, relata o capitão, no relatório da “Operação Fim Regime”.

No dia 24 pela manhã, Maia começou a informar os primeiros furriéis sobre as manobras em curso, até então só do conhecimento de nove oficiais. “Mostraram-se totalmente colaborantes.” Além de Salgueiro Maia, também a EPC estava sob vigilância da DGS, o que obrigou aos “graduados aliciados” a entrarem no quartel individualmente para não levantar suspeitas. Os militares foram se fechando nos quartos “onde se combinaram em pormenor as operações” ao mesmo tempo que se mantinham atentos aos rádios “a fim de ouvir o sinal de execução”. Às 22h55, os Emissores Associados de Lisboa passam “E Depois do Adeus”. Cabe à Renascença, vinte minutos depois da meia-noite, pôr no ar “Grândola Vila Morena”, o segundo sinal.

Foi já na madrugada de 25 de Abril, às 00h45, que os oficiais da EPC se aproximaram do Ten. Cor. Sanches, “único oficial superior que permanecia no Quartel”, para informar que a adesão era total, não tendo conseguido a adesão deste oficial. Às 01h30 “deu-se ordem para acordar todo o pessoal e formarem na Parada onde cada comandante de Esquadrão pôs ao corrente da situação”. Às 03h20 todo o pessoal se encontrava equipado e às 03h30 arrancaram para Lisboa.

À chegada à capital, por três vezes se cruzaram com autoridades policiais e por três vezes estas optaram por nada fazer. Também aquando da “entrada em dispositivo no Terreiro do Paço”, às 05h50, a PSP que cercava a zona decidiu não interferir e antes “colaborou a isolar” a zona da população. A esta hora, já a RTP e o RCP tinham sido tomados e o primeiro comunicado do MFA emitido. Nesta altura, perto das 05h, Marcello Caetano é contactado pelo director-geral da PIDE, Major Silva Pais, e é informado que a Revolução na rua. O presidente do Conselho é aconselhado a refugiar-se no quartel da GNR no Carmo.

Com Salgueiro Maia posicionado no Terreiro do Paço foram chamados pelo governo outros pelotões que, todavia, acabaram por se juntar ao movimento ou render sem resistência, incluindo os que guardavam o ministério do Exército. “Deste pessoal, sete homens permaneceram dentro do ministério por as portas se encontrarem fechadas, tendo sido a estes homens que o ministro do Exército deu ordens para abrir um buraco na parede de ligação com o ministério da Marinha, por onde fugiu”, explica Salgueiro Maia. Por este buraco, fugiriam ainda os ministros da Defesa, do Interior, da Marinha, o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas ou o governador militar de Lisboa.

O cenário piorou perto das 10h, com a chegada ao local da força comandada pelo Brig. Junqueira Reis. Ao contrário das forças anteriores, estas não se renderam. “Tentei dialogar com o Brigadeiro mas o mesmo exigia que eu fosse ter com ele atrás das forças que comandava e eu que ele viesse a meio do espaço que nos separava”, detalha o capitão. Foi nesta altura que o Brigadeiro manda abrir fogo contra Maia. “Mas não foi obedecido, tendo de imediato ordenado a prisão do referido oficial”. Reis voltaria a dar ordem de disparo, ordem novamente recusada.

Durante o impasse, e desde as 09h, o Tejo foi ocupado pela Fragata Gago Coutinho com ordens “para se preparar para abrir fogo” contra as forças da EPC. Os revolucionários, por seu lado, tinham já artilharia posicionada no Cristo-Rei pronta a afundar a fragata. “Fui informado que o barco se encontrava ali por ordem do governo mas que não disparava contra nós.”

Foi já às 10h que chegaram ao Paço um grupo de comandos liderado pelo Major Neves, que entrou nos ministérios com vários oficiais, e também o Ten. Cor. Cavª Correia de Campos, que passou a comandar as operações. “Tendo-se constatado a fuga dos ministros e a não existência na Zona de objectivos remuneradores”, o Movimento dividiu as forças: A coluna de Salgueiro Maia seguiu pela Rua Augusta em direcção ao Rossio “sendo aclamada em apoteose pela população durante todo o trajecto até ao Carmo”. Mais importante foi quando os lisboetas passaram de espectadores a participantes, já às 12h30, no cerco ao quartel da GNR no Carmo: “Abriram portas, varandas e acessos a telhados para que a nossa posição fosse mais dominante e eficaz. Também nesta altura começaram a surgir populares com alimentos que distribuíram pelos soldados.”

A rendição do Quartel do Carmo foi um dos objectivos mais difíceis de atingir. O Major Otelo Saraiva de Carvalho deu a ordem a Salgueiro Maia: “Tentámos fazer um ultimato para a entrega do pres. Cons. sem resultados. Os tipos desligam o telefone (…). Com auto metralhadora rebenta fechaduras do portão para verem que é a sério. Julgo que não reagirão. Um abraço.” Salgueiro Maia cumpriu: às 15h10, deu ordem para uma rajada da torre da Chaimite sobre as janelas mais altas.

“Continuavam sem responder às minhas solicitações de rendição. Quando já tinha perdido as esperanças de resolver o problema sem utilização de armas pesadas, surgiram dois civis com credencial de Sua. Exª. Gen. António Spínola que entraram no Quartel para dialogar com o pres. do Conselho.” Demoraram 15 minutos e voltaram a sair, deslocando-se de seguida até à casa de Spínola. Salgueiro Maia entretanto aproximou-se o quartel e percebeu que “a disposição do pessoal era de se render”. O capitão de seguida pediu audiência com Marcello Caetano, no que foi atendido. “A conversa decorreu a sós e com grande dignidade. Nela o Prof. Caetano solicitou que um oficial General fosse receber a transmissão de poderes para o governo não caísse na rua.” E assim aconteceu, às 18h Spínola chegou ao Carmo, às 18h20 um comunicado do MFA informa o país da entrega de Marcello Caetano e às 19h o cerco ao quartel foi levantado.

“4 – ADMINISTRAÇÃO E LOGÍSTICA:

a) Distribuídos a cada homem rações de combate para os dias 25 e 26 ABR74

b) Serviço de Saúde: 2 equipas constituídas por um enfermeiro e 1 maqueiro cada, a deslocar nas duas ambulâncias.

5 – COMANDO E TRANSMISSÕES:

Posto comando em Jeep

Rede de Comando

6 – DIVERSOS

Fui depois informado por oficiais da GNR do Quartel do Carmo que o Prof. Marcello Caetano desde as 08h30 do dia 24 [sic] que declarava que se rendia, se fosse um Oficial General a receber a rendição. Este facto não foi comunicado pelo Comandante do Quartel do Carmo e deste modo a rendição só se efectuou depois das 15h”

in: Jornal i, 25 Abril 2014

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