Magnatas no futebol: Moeda de duas faces que nem a FA controla

Ingleses tentam limitar entrada de investidores-salvadores, sem sucesso

Abramovich, Mansour e Al-Khelaïfi, ou seja, Chelsea, Manchester City e Paris Saint Germain. Estes são os casos mais mediáticos da proliferação de magnatas no futebol europeu, um bálsamo que convence até os adeptos mais desconfiados, nem que seja quando começam a chegar grandes nomes para o plantel. Estes são também os casos que mais ficam na memória já que, até ao momento, vão correndo bem – e quando não correm inundam-se os adeptos com mais jogadores de forma a acalmar até os fãs mais renitentes com os ataques do capital pragmático ao desporto menos racional de todos. A inveja dos adeptos rivais é também um factor-chave, claro.

Mas neste mundo há um outro lado da medalha: casos que correm mal, que envolvem investidores de reputação dúbia ou até já condenados em tribunal – ver textos secundários. E o futebol inglês está repleto não só dos magnatas-vou-comprar-tudo-até-ser-campeão, aos magnatas-venho-ninguém-sabe-de-onde. E estes são bem menos mediáticos.

A epidemia dos magnatas está em disseminação sobretudo no futebol inglês, sendo às dezenas os casos de aquisições de clubes, com mais ou menos sucesso e mais ou menos milhões para investir. Mas a quantidade de processos que correram mal nos últimos anos forçaram a Football Association (FA) a avançar com medidas para controlar o assalto dos milhões sobre as paixões. Primeiro foi criado um teste de idoneidade a que é sujeito o histórico do investidor em causa: isto serviu para impor limites e re gras e só recentemente passou a servir para chumbar negócios, ainda que até agora sem sucesso. No final de Março a FA puxou pelo seu novo arsenal e tentou proibir a entrada de um “salvador da Pátria” no Leeds United, mas nem as novas e duras regras foram suficientes.

A queda Antes de entrar na situação actual, é preciso olhar para a história do Leeds United, o exemplo perfeito de como a fixação dos cifrões pode sair bem cara: O clube é um histórico do futebol inglês e está afundado em desgraça há mais de uma década. Nasceu em 1919 e foi na viragem para o Séc. XXI que os adeptos viveram o período mais emocionante das últimas décadas: nomes como Robbie Keane, Jonathan Woodgate ou Harry Kewell faziam as delícias de Elland Road. Mas o brilho das estrelas não deixava ver a sujidade que sustentava o projecto: numa tentativa de levar o clube de “habitual no top10” para “habitual na Liga dos Campeões”, Peter Ridsdale – fixe este nome -, líder do clube, arriscou tudo: contraiu empréstimos para aguentar as estrelas que já tinha e trazer mais umas quantas, dando como garantia as receitas futuras de prémios da liga dos campeões e de direitos televisivos. Ora o clube falhou a qualificação para a Champions duas vezes e quando o banco exigiu novas garantias, começou a sangria de jogadores. Os maus resultados vieram por arrasto, o clube desceu de divisão em 2003/04, os cofres continuaram a piorar e foram retirados 10 pontos ao Leeds por incumprimento das regras financeiras da liga. Em resultado, o Leeds viu-se no terceiro escalão inglês.

Depois de trocar algumas vezes de mãos, incluindo administradores de insolvência, o Leeds voltou a ser detido por Ken Bates, ex-presidente não só do Leeds mas também ex-dono do Chelsea – o futebol inglês às vezes é estranho. Bates quis recuperar o clube à “Passos Coelho”, com austeridade ao extremo, o que em futebolês significa não comprar jogadores o que, por seu turno, significa ser odiado pelos fãs. O sucesso desportivo, apesar de tudo, surgiu e o Leeds conseguiu regressar ao Championship, o segundo escalão. Porém, tal como com Passos Coelho, nem com austeridade as coisas foram ao sítio e o Leeds ficou ainda mais afundado. Hora de volta ao presente – deixando de lado muitos episódios da atribulada vida do Leeds.

lucky me O novo talvez-salvador do Leeds surgiu recentemente, um italiano de nome Massimo Cellino, dono do Cagliari e ex-vice-presidente da Serie A. Os adeptos puderam respirar um pouco: Cellino assim que negociou a compra de 75% do clube passou a financiá-lo enquanto as burocracias iam avançando. Mas foi aqui que as coisas começaram a complicar. A 24 de Março último um tribunal da Sardenha deu o italiano como culpado de evasão fiscal, tendo sido multado em 600 mil euros. Em causa um processo relacionado com a compra de um iate – Dejà-vu?!

A FA avançou nesta altura com o seu exame de idoneidade e o italiano tornou-se no primeiro magnata a ser chumbado: “Tendo considerado a situação, a FA concordou de forma unânime que a condenação por um tribunal italiano constitui uma condição de desqualificação no teste de ‘Donos e Directores’ de Clubes.” Uma decisão, pensou-se, histórica: “Uma viragem no futebol inglês”, sentenciava o “The Guardian” no próprio dia.

Mas o que era “histórico” para uns, foi um pesadelo para outros: Confrontado com o chumbo, o italiano ameaçou reclamar a devolução dos milhões que foi injectando no clube e os pobres adeptos temeram ficar ainda em pior situação. A Justiça, porém, ainda não tinha acabado de funcionar: “De acordo com o regulamento da Liga de Futebol, Massimo Cellino tem direito de recorrer da decisão nos próximos 14 dias”, dizia a decisão da FA. Adivinhe quem ganhou o recurso? Cellino. Porquê? Porque também recorreu da decisão do tribunal italiano pelo que, até ao fim do processo, é inocente. E assim lá se foi o dia histórico que a FA queria e assim mostrar algum controlo face ao ímpeto dos milionários. Cellino vai agora tomar conta do Leeds – até ver, porque até Junho sairá a decisão sobre o recurso no caso do iate – e os seus adeptos respiram um pouco melhor, ainda que continuem longe de estarem tranquilizados – é que já lá vão umas cinco ‘salvações’ deste género.

infâmia “É só mais uma página na história negra do Leeds desde que Peter Ridsdale ‘viveu o sonho’ de forma infame e à conta de crédito”, escrevia também o “Guardian” aquando do chumbo da FA a Cellino. É que Peter Ridsdale é mesmo um nome que qualquer adepto não deve esquecer: Depois de afundar o Leeds United, conseguiu ir para um Barnsley desesperado que também não ficou melhor. Seguiu-se o Cardiff em 2006, clube que encontrou com 10 milhões de dívidas e deixou em 2010 com 66 milhões de endividamento. Por fim, e já no final de 2011, Ridsdale conseguiu tomar conta do Preston North End, clube do terceiro escalão inglês, o mesmo até onde o Leeds se afundou depois do seu mandato – irónico.

in: Jornal i, 12 Abril 2014

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