De impensável a possível em três anos. O tabu que existia na Europa em relação às reservas de ouro foi ontem quebrado. Chipre recebeu luz verde para vender a maioria das suas reservas e angariar desta forma 400 milhões de euros para financiar parte do seu programa de assistência – com um custo total de 23 mil milhões de euros, mais de metade pagos pelos cipriotas. Em Março, Chipre contava com 13,9 toneladas de ouro, a 61.a maior reserva do mundo, contando com países e instituições. A venda de 400 milhões de euros em ouro irá baixar as reservas do país em perto de 70%.
A alienação de grande parte do ouro detido por Chipre é uma das várias formas que o país encontrou para financiar uma pequena parte dos 13 mil milhões de euros que terá de encontrar para pagar a sua parte do seu resgate. A maioria deste valor – 10,6 mil milhões – será paga pela taxa cobrada aos depositantes do banco Laiki e outros 600 milhões serão angariados através de aumentos dos impostos sobre empresas e capital nos próximos três anos [ver texto ao lado].
A venda de reservas de ouro foi, nos últimos anos, um dos maiores tabus na Europa, com a ideia a surgir apenas a espaços e sempre recusada por Bruxelas: há o receio de provocar uma desvalorização abrupta deste metal, que se transformou num investimento-refúgio para muitos investidores. Ontem, a notícia da venda cipriota levou a um ligeiro recuo na cotação do ouro, que caiu 15 dólares para 1570 dólares a onça (31,1 gramas).
Apesar deste receio, os altos níveis de reservas de alguns países já resgatados ou em risco de o serem, como Portugal e Itália, foram trazendo a hipótese para cima da mesa. No final de Março, segundo dados do World Gold Council (WGC) consultados pelo i, a Itália contava com a 4.ª maior reserva de ouro do mundo, com mais de 2400 toneladas, sendo superada pelos Estados Unidos, Alemanha e FMI. Já Portugal contava com a 14.ª maior reserva mundial, com 382,5 toneladas, superando o Reino Unido (310 toneladas) ou Espanha (281,6 toneladas).
As 382,5 toneladas de ouro detidas por Portugal valiam 15,39 mil milhões de euros no final de Março, segundo o Banco de Portugal – já 1,5 mil milhões de euros abaixo do pico do seu valor, registado em Setembro do ano passado, quando as mesmas reservas estavam avaliadas em 16,9 mil milhões de euros. Para que algum banco central da zona euro proceda à venda de ouro precisa da autorização de todos os outros.
Também no final de Março, uma sondagem em Itália, realizada pela Ipsos MORI e encomendada pelo WGC, mostrou que 52% dos cidadãos e 61% dos empresários apoiavam a utilização das reservas de ouro do país como colateral para a emissão de dívida, baixando assim os custos de financiamento do país.
in: Jornal i, 11 Abril 2013