Facturas. Estado aposta na persuasão pelo medo para combater fuga fiscal
O governo já avançou com acções de fiscalização “em larga escala” para instaurar “diversos processos de contra-ordenação a consumidores por incumprimento da obrigação da exigência de factura”, isto apesar de só ontem ter sido assumido pelo Estado que os consumidores podem ser punidos com coimas até 2000 euros caso não exijam facturas nas compras que façam.
“Informa-se que, durante o ano de 2013 e no âmbito da acção de fiscalização em larga escala para garantir o cumprimento das novas regras de facturação, a inspecção da AT [Autoridade Tributária] já instaurou diversos processos de contra-ordenação a consumidores por incumprimento da obrigação da exigência de factura”, disse fonte oficial das Finanças ao i, depois do “Jornal de Negócios” ter noticiado que agora quem não exija factura pode ser multado.
“Até Dezembro de 2012, como a obrigação de exigir factura por parte dos consumidores finais apenas abrangia as facturas emitidas por pessoas individuais (empresários em nome individual e profissionais liberais), o desconhecimento sobre a qualidade do emitente dificultava o cumprimento da Lei. Agora a Lei é aplicável em todas as transacções (…) pelo que será aplicada sem excepções”, explicou o ministério. “As novas regras criam as condições necessárias para que possam ser realizadas acções de fiscalização pela AT que incidam sobre a obrigação de exigir a emissão de factura por parte dos consumidores finais”, acções que “podem ser realizadas à saída dos estabelecimentos comerciais para garantir que os consumidores exigem efectivamente as facturas”. Para o governo, “é uma medida de combate à economia paralela, e às situações de subfacturação”. Já outros rotulam a medida como ingerência na vida privada, persuasão e inconstitucional.
Reacções “Não temos nem meios, nem autoridade para que se faça esse tipo de inspecção”, comentou Paulo Ralha, do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos. É que, conforme explicou, mesmo que um funcionário da AT presencie uma situação irregular “não pode actuar imediatamente”, tem primeiro que “relatar a situação ao chefe, que então nos passa uma ordem de serviço para autuarmos. Ora, quando chegarmos ao local, os dois agentes já não estão lá e passa a oportunidade para autuar”, disse à Lusa. “É uma lei que, em grande parte, é pólvora seca, é fogo de vista.”
“A questão das multas do ponto de vista da persuasão pode ser eficaz, mas de muito difícil concretização”, comentou Nuno de Oliveira Garcia, especialista em Direito Fiscal, ao “Expresso”. “Se vem na Lei, é legal, mas pode levantar dúvidas do ponto de vista da constitucionalidade e no limite na moralidade”, sublinhou. “Parece-me complexa qualquer forma de controlar e de sancionar o comportamento dos consumidores. Sem saber exactamente como o governo pretende levar a cabo essa ingerência na vida privada, tenho certa dificuldade em perceber como podem chegar mais longe”, comentou Bacelar Vasconcelos, constitucionalista.
in: Jornal i, 14 Fevereiro 2013