A avaliação é positiva mas deita por terra alguns argumentos utilizados pelo governo. Os esforços para atacar as rendas excessivas na energia estão a ser insuficientes, as reformas estruturais não estão a correr conforme o planeado e a ocorrência de derrapagens na execução orçamental, mesmo após o rectificativo, não é só uma possibilidade, mas algo com que o governo já estará preparado para lidar.
Só assim se percebe a convicção da Comissão Europeia explanada no relatório sobre a terceira revisão do programa de ajustamento português: “As metas orçamentais de 2012 e 2013 ficam confirmadas em 4,5% e 3%”, diz Bruxelas, salientando depois que “o governo está empenhado em reagir eficazmente caso surjam derrapagens este ano”. Isto porque, reconhece Bruxelas, são vários os riscos a pender sobre o programa nacional. Do lado orçamental, “os riscos estão associados a mais aumentos no desemprego”. Esta semana o Eurostat avançou que Portugal já tem 15% de desemprego, valor que compara com os 14,4% previstos para 2012. Também os mecanismos de reporte sobre as finanças locais e regionais “ainda terão de ser testados” e “as medidas que permitirão obter poupanças ambiciosas na saúde” terão de ser implementadas rapidamente. Já do ponto de vista económico, a CE sublinha que não pode haver hesitações nas reformas laborais [em baixo] e que também serão necessários “esforços significativos” para eliminar as “rendas excessivas” e as “barreiras à concorrência” que prejudicam “o potencial de crescimento do país”. Para que isto seja possível, Bruxelas aconselha: “É preciso ser resoluto para ultrapassar as resistências dos vários interesses.”
ameaças das empresas “A enorme dívida que pende sobre as empresas públicas exige uma resolução urgente para evitar o efeito de contágio ao Orçamento do Estado”, alerta a CE no relatório sobre Portugal ontem divulgado. Mais tarde critica: “Depois de uma análise ao sector empresarial público local no Outono, houve poucos avanços no ataque às fraquezas identificadas.” Mas são as empresas públicas estatais que mais ameaçam o OE.
Conforme o i escreveu a 19 de Março, a CP, a EDIA e os hospitais EPE, assim como uma série de empresas pequenas, estão em situação insustentável, podendo obrigar o Estado a reconhecer as mesmas no OE, incluindo os prejuízos e passivos, o que aumentará o défice e a dívida pública – cerca de 6 mil milhões, segundo contas publicadas num research de Março do BPI sobre dívida pública.
Além das empresas cujo capital pertence ao Estado, há dois sectores que põem em sério risco a economia portuguesa. “Devido ao tamanho destes dois sectores, a situação actual na construção (6,8% do PIB) e nos serviços de imobiliário (7,3% do PIB) tem o potencial de provocar consequências altamente prejudiciais para toda a economia”, alertam os técnicos da CE. E aqui os esforços do governo também não têm sido suficientes. “As reformas nestes sectores têm sido insuficientes para eliminar as barreiras à entrada nos mercados”, lê-se na avaliação, que adianta que, “devido à falta de progressos” neste campo, “a CE vai avançar com o processo de infracção” em curso contra Portugal “e as autoridades têm urgentemente de apresentar uma nova reforma” para a redução das barreiras nestes sectores.
As rendas da energia Segundo Passos Coelho, a renegociação das rendas da energia é prioridade do governo desde Setembro. Já na opinião da CE, este campo não está a ser “enfrentado adequadamente, já que os elementos propostos para se chegar a uma solução aparentam ser insuficientes”, referindo-se à proposta de mexer nas rendas só com renegociações voluntárias e à redução dos esquemas de apoio.
“É preciso bastante mais para colocar o défice tarifário do sistema numa trajectória sustentável com a correcção das rendas excessivas associadas à produção de energia. Um relatório [do governo] sobre algumas medidas mostra apenas alterações limitadas. Além disso, a informação continha omissões”, critica Bruxelas. Também nas telecomunicações o governo não se livra de um puxão de orelhas. “A introdução de acesso transparente e não discriminatório ao serviço universal não foi realizado”, diz a CE. “Depois do avanço inicial, a abertura do mercado das telecoms avançou pouco.”
estado mau pagador Se nesta avaliação da CE é avançado que Portugal está no bom caminho ao nível da redução dos pagamentos em atraso, sendo salientado que “em Dezembro o valor em dívida caiu pela primeira vez”, Bruxelas também sublinha que “a performance dos próximos meses terá de ser acompanhada para confirmar que os pagamentos em atraso estão mesmo numa trajectória descendente”. Contudo, e desde o início do ano, o total de pagamentos em atraso do Estado e entidades públicas retomou uma trajectória ascendente: à queda de 288 milhões em Dezembro seguiu-se um crescimento de 105 milhões em Janeiro. A trajectória descendente desejada pela CE não está assim a confirmar-se em 2012.
mais IVA? Apesar dos puxões de orelhas, Bruxelas dá globalmente uma nota positiva à execução do programa – 75% das medidas estão realizadas ou já em curso. A CE saúda ainda o “enorme esforço de consolidação” em curso este ano, lembrando porém que há margem para mais mexidas no IVA. “Do lado das receitas, a grande medida foi tomada ao nível do IVA, com o alargamento das taxas mais altas”, diz o relatório, que salienta a criação de condições para que os mais desprotegidos não fiquem sujeitos àquela taxa. Contudo, lembra, as alterações às tabelas deste imposto “vão ajudar a aumentar significativamente a eficiência do IVA, ao mesmo tempo que deixam ver que ainda há manobra para passos adicionais”, diz a CE.
in: Jornal i, 4 Abril 2012