Ouvir Passos Coelho dizer que há um excedente de 3 mil milhões e que o défice vai ficar nos 4,5% quando a meta são 5,9%: é de entrar em pânico. Chegámos oficialmente ao vale tudo. Então vamos ter um défice 2,4 mil milhões de euros abaixo do pedido pela troika? Então para quê a antecipação do aumento do IVA na luz? E o corte dos subsídios de Natal? Para quê? Alguém me explica?
Sim, ouvi o Sr. PM dizer que vai usar o excedente para pagar dívidas e que a troika não deixava ir buscar os fundos da banca se não tivesse cortado os subsídios este ano. Mas continua sem fazer sentido. Primeiro porque a história de pagar as dívidas não pega – porque isso significa que o governo tirou dinheiro à economia para dar dinheiro à economia, com a agravante de a opção do governo empurrar milhares para a fome – e, segundo, porque se conseguimos um défice de 4,5% em vez de 5,9%, e mesmo assim não podemos aliviar seja o que for do esforço, qual a utilidade de ser bom aluno? Zero! Isto quando me parece que chegou a hora de começar a dar algumas benesses aos portugueses – que muito pacientes têm sido.
Portanto, em 2011, quando poderíamos ter o cinto um bocado menos apertado, mantivemos a austeridade (“crueldade” é um termo mais justo) no máximo só porque sim. Porque fica bem chegar a Bruxelas com um défice abaixo do exigido — com um efeito antipressão zero. E sabe o que é mais assustador? É que isto é um mal generalizado na Europa. Os líderes perderam as estribeiras e a dada altura passaram a achar que os fins justificam os meios, e ai de alguém que fale contra: é logo ameaçado de corte de verbas. Basta ver o que aconteceu com Cameron. Agora as ordens vindas de Bruxelas são para baixar o défice a todo o custo e no menor tempo possível e arranjar forma de pôr burocratas não eleitos a mandar nas políticas orçamentais de todos os países. Não interessam os meios – condenar metade da Europa a passar fome, contornar tratados históricos –, o que interessa são os fins! Se assim é, acha que posso começar a prender todos os que acho culpados desta crise? Ou que a estão a agravar? Sem ter de esperar pela justiça? É que ouvi dizer que agora os fins justificam os meios.
in: Jornal i, 15 Dezembro 2011