Nicolas Verón publicou estudo sobre a banca na UE e falou com o DV sobre o mesmo, abordando não só a banca da região mas também Novo Banco e CGD
in: Dinheiro Vivo, 6 junho 2017
O investigador sénior do think tank europeu Bruegel, Nicolas Verón, apresentou na última semana as conclusões de um levantamento que efetuou às diferentes estruturas de governança e de acionistas dos maiores bancos da zona euro, aqueles cuja supervisão está diretamente nas mãos do Banco Central Europeu, e onde se incluem por exemplo Novo Banco e Caixa Geral de Depósitos.
Conforme o Dinheiro Vivo deu conta esta segunda-feira, entre as principais ilações do trabalho destaca-se a conclusão de que grande parte dos bancos da região estão em mãos públicas, estando por isso sujeitos a um elevado grau de potenciais interferências políticas. A propósito do estudo, Nicolas Verón aceitou falar com o DV, abordando não só os principais temas abordados no trabalho mas também as situações específicas da banca portuguesa, nomeadamente a venda do Novo Banco, agora em curso, a reestruturação da CGD. Eis a conversa completa com o investigador do Bruegel.
No seu estudo concluiu que cerca de 30% dos maiores bancos da zona euro estão em mãos públicas e que vários outros têm como maior acionista uma entidade pública. Surpreendido? Este é um cenário que devemos à recente à crise?
Estava ciente do peso do Estado na banca da zona euro, mas ainda assim fiquei surpreendido. Além disso, dois terços desses bancos já eram públicos antes da crise e não serão privatizados em breve. Ter bancos controlados por governos pode ser visto como algo permanente no cenário europeu, em contraste com a banca anglo-saxónica.
Além da questão da banca pública, sublinha que há vários bancos não cotados, realçando que os cotados até são a exceção e não a regra (há 41 cotados contra 56 não cotados). Diria que também estes estão sujeitos a menos disciplina?
A questão é mais complexa do que possa parecer à primeira vista. É verdade que os bancos cotados são normalmente mais transparentes mas há bancos não cotados relativamente transparentes e, inversamente, há países onde até a informação da banca cotada deve ser olhada com cuidado. Em particular, a qualidade da auditoria varia muito entre países da UE, até para as empresas cotadas. É por isso que nesta minha análise me concentrei nas estruturas de governança e não tanto numa divisão entre cotados e não cotados.
A União Bancária é possível com tanta diversidade de estruturas na banca da UE?
Em princípio, sim. A diversidade não é em si um problema e pode ser boa para a União Bancária. Mas o que é importante é que no quadro de políticas públicas se trate toda a banca da mesma maneira em termos de requisitos de transparência, prudenciais, fiscais, insolvências, etc. O que ainda está longe de ser o caso. Ainda há muitas reformas necessárias para que se avance para uma União Bancária mais completa.
Realça no trabalho a diferença entre a banca da zona euro e a banca anglo-saxónica, onde a maioria é de capital muito disperso. Isto explica os diferentes ritmos de saída da crise?
Não sugiro que o modelo anglo-saxónico seja perfeito ou que deva ser o caminho para toda a banca da UE. Mas tem vários benefícios, até em termos de flexibilidade de capital – a capacidade de reforçar capitais quando necessário, como o UniCredit fez há uns meses. Em comparação, as restantes estruturas de governança tornam mais difícil esse levantamento.
“Venda do Novo Banco pode marcar o fim da crise bancária portuguesa”
Olhando para os casos específicos portugueses. No âmbito da reestruturação, a CGD tem sido criticada por estar a fechar balcões em zonas menos povoadas, limitando o acesso a serviços bancários. Este tipo de pressões, mais políticas, são uma vulnerabilidade do banco?
A CGD concorre com outros bancos em Portugal e, logo, deve operar de forma comercialmente viável. Alguns estados-membros criaram instituições financeiras não bancárias com um propósito de política pública, como o KfW na Alemanha e a Caisse des Dépôts, em França. Estas instituições não concorrem com a banca comercial e podem, portanto, concentrar-se em funções de interesse público, não entrando desta forma no enquadramento dos auxílios estatais pela UE.
E será a CGD um caso específico de interferências políticas ou, tendo em conta as suas conclusões, apenas mais um dos vários casos de interferências políticas na banca da zona euro?
Não sei o suficiente sobre Portugal e a CGD para uma resposta específica mas respondo de forma geral: Encontrei interferências políticas em decisões de bancos em muitos países europeus, mas não todos, e acredito cada vez mais que tal tem muito a ver com governança e as estruturas acionistas.
Quanto ao Novo Banco: Defende no seu trabalho que a UE deveria avançar para um modelo com mais bancos cotados e um aumento de privatizações no setor mas não a qualquer preço ou a investidores que perpetuem a opacidade das instituições financeiras. O ex-BES está prestes a ser vendido a um fundo, a troco de zero euros. Esta opção vai contra as ideias que defende?
De modo nenhum. A venda a um fundo pode ser uma excelente forma de preparar o banco para nova dispersão em bolsa. Muitos fundos têm larga experiência na gestão bancária e estão preparados para tomar decisões difíceis, a nível estratégico e a reestruturar. Não conheço todos os detalhes do processo de venda mas, com base nas informações disponíveis, vejo a conclusão da venda e a extinção dos riscos legais em relação aos detentores de obrigações como um desenvolvimento positivo para o sistema bancário português.
A venda do ex-BES avançou com urgência, em fire sale quase, porque a Direção-geral da Concorrência da UE impôs um prazo para a devolução do Novo Banco aos privados. Em resultado, a venda foi fechada por zero. A imposição de um prazo limitou a possibilidade de se obter uma melhor proposta?
Não estou convencido que se possa chamar à venda uma fire sale. Na verdade, o governo português perdeu a oportunidade de vender o Novo Banco em 2015 e parece-me que poderia ter alcançado um preço maior. Um novo atraso na venda, agora, poderia ter impacto negativo no valor da franquia do Novo Banco. As condições de mercado não são adversas atualmente. Houve um processo de venda, até bastante prolongado. Certamente que é triste que o preço seja tão baixo mas isso não implica, de modo nenhum, que um preço mais alto pudesse ser alcançado.
Apesar das más condições, a venda deve ser então concluída?
Não sei detalhes suficientes do caso para fazer qualquer recomendação. Mas, e seguindo tudo como esperado, a minha impressão é que a conclusão da venda, supondo que as questões legais com os detentores de obrigações são tratadas de forma satisfatória, poderia simbolicamente marcar o fim da crise bancária portuguesa que começou há quase uma década, com os problemas do BPP e do BPN. Por outro lado, um recuo no processo seria mal percebido pelos investidores e observadores internacionais.