CEO não tem dúvidas: para CGD ser rentável, é preciso cortar 25% do negócio. Bruxelas diz que privados teriam interesse em financiar 90% da capitalização
in: Dinheiro Vivo, 11 março 2017
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A Caixa Geral de Depósitos (CGD) fechou 2016 com um prejuízo de 1859 milhões de euros, bem abaixo dos 3000 milhões que chegaram a ser temidos, mas quase 11 vezes mais do que as perdas de 171,5 milhões registadas em 2015. Este valor é em grande parte justificado pelo aumento das provisões e imparidades registadas no ano passado pelo banco público, que atingiram os 3017 milhões de euros, mais 320%.
Estas perdas serão “o passo atrás” que o banco precisava antes de regressar à rentabilidade, defendeu ontem por Paulo Macedo, CEO. Mas para avançar, o banco vai ter de cortar, e bem. Segundo os valores ontem tornados públicos, e até 2020, o banco vai reduzir em 25% o total de agências e em 25% o total de trabalhadores: os 651 balcões têm de passar a 470 e os 8868 colaboradores para menos de 6700. Ou seja, a CGD vai ter de cortar mais de 45 balcões e 550 trabalhadores a cada exercício já a partir deste ano.
Vai ser “uma mudança radical em termos de estrutura de proveitos e de custos”, explicou Macedo. No total, o banco vai gastar 150 milhões de euros com a reestruturação até 2020.
“A recapitalização não basta, a CGD não passa para resultados positivos só com esta operação, isso só acontecerá quando toda a transformação estiver feita”, reforçou o presidente, que especificou que além dos cortes atrás citados, o banco terá de mudar de política de risco, procurar novas formas de conceder crédito e um maior rigor na atividade, caso contrário “a CGD não terá o futuro que queremos”. Mas há já um aspeto que a nova CGD terá que muitos não querem.
A administração do banco deixou ontem claro que vai ser preciso abandonar a ideia de estar presente em todos os concelhos do país. “Que ninguém peça à CGD para estar onde os outros não querem estar”, explicou o CEO, que foi ainda mais explícito: “A CGD deve prestar serviço público, mas se ficarmos nos sítios onde ninguém quer estar, então o banco não sairá deste ciclo de seis anos de prejuízos.” Mas o banco ficará atento às localidades onde é a única a instituição, prometeu Macedo: “Vamos procurar mitigar e ver como poderemos manter o serviço em localidades sem outra opção.”
De todas as formas, e para o líder do banco, a redução do alcance geográfico da CGD é um dos preços a pagar para cumprir a meta de regressar à rentabilidade em breve, uma das exigências de Bruxelas. E Macedo prometeu ter lucros já no próximo ano – ou está comprometido: “Está previsto [no plano de negócios fechado com a Comissão Europeia] que a CGD tenha resultados recorrentes positivos já neste ano e resultados líquidos positivos a partir de 2018.”
Ao longo da conferência de imprensa, Paulo Macedo confirmou ainda que uma das duas emissões de dívida previstas na recapitalização vai avançar já, no valor de 500 milhões. A segunda emissão, avaliada em 430 milhões, ocorrerá nos 18 meses seguintes. Nas próximas semanas, o banco avança para um roadshow para captar investidores privados cujo apetite, todavia, parece bem aguçado já.
90% da operação podia ser privada
Ainda ontem, a Comissão Europeia (CE) observou que quase 90% do total de fundos para recapitalizar a Caixa Geral de Depósitos podia ter vindo do setor privado, dos mercados financeiros, uma vez que estes aceitariam as condições relativamente boas da operação, haveria interesse. Essa é a razão pela qual a recapitalização proposta pelo governo não é considerada auxílio estatal, tendo por isso a luz verde das autoridades comunitárias.
“Globalmente, a CGD poderia ter obtido o mesmo capital nas mesmas condições nos mercados financeiros e que Portugal não concedeu à CGD quaisquer novos auxílios estatais.” Bruxelas ressalva, no entanto, que não está a tomar partido por uma ou outra forma de propriedade. “Os tratados da União Europeia são neutros em relação ao tipo de regime de propriedade. A Comissão está, por conseguinte, vinculada pela lei a garantir igualdade de tratamento aos bancos públicos e privados.”
De acordo com cálculos do Dinheiro Vivo, esse “globalmente” equivale a dizer que quase 90% do dinheiro a injetar no banco público poderia muito bem ter vindo do privado se as leis o permitissem, claro. Ou seja, dos 3,9 mil milhões de euros de esforço público, 87% (cerca de 3,4 mil milhões) podiam ter vindo do privado. Haveria sempre interesse. Somando a emissão de dívida subordinada junto dos privados, esse rácio sobe, naturalmente, para 90% (4,4 mil milhões de euros teriam condições aliciados para eventuais investidores privados).
Numa nota informativa sobre a operação da CGD, a Comissão diz que “analisou a conversão da dívida híbrida existente detida por Portugal em ações [os chamados CoCos, capital contingente que ainda estava por pagar ao Estado] e concluiu que um detentor de dívidas privado também a teria aceitado, nomeadamente, devido a um retorno suficiente”. Vale 900 milhões de euros.
Mas diz mais. Sobre a nova injeção de capital, de 2,5 mil milhões de euros, que Portugal efetuou na CGD, conclui que “esta gera um retorno suficientemente elevado para que um investidor privado também a aceitasse.”
Resumindo, os CoCos dariam um retorno “suficiente” e as “novas ações ordinárias da CGD” oferecem uma remuneração aliciante.
Aliciante porque Portugal “propôs um plano de negócios ambicioso, em vigor até ao final de 2020, para assegurar a rentabilidade do banco a longo prazo e uma taxa de retorno esperada adequada do investimento português”.
A única fonte de financiamento efetivamente privada nesta megaoperação (que, portanto, não configura um esforço público) é a emissão de dívida subordinada junto de investidores de mercado “não relacionados com o Estado português”, no valor de 930 milhões de euros. Este foi mais um trunfo para o governo. “Não se enquadra no âmbito de aplicação do controlo dos auxílios estatais da UE”, confirma Bruxelas.
Em relação ao custo em que a Caixa Geral de Depósitos incorrerá com estas emissões de dívida, e como irão comparar com o custo dos Cocos, Paulo Macedo escusou-se a fazer previsões. Mas admitiu que será alto: “Só emite dívida subordinada quem tem de emitir. Porque é uma dívida que tem características de remuneração elevadas.”