Novo estatuto da ERSE percorre últimas etapas, devendo avançar até abril. Regulador pode ficar responsável por cálculo de desconto do fundo de garrafa
in: Dinheiro Vivo, 3 março 2017
O governo estima que a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) esteja dotada de poder sancionatório sobre o gás engarrafado já em abril, o que marcará o alargamento da área de atuação deste regulador a um segmento da oferta de gás que, apesar de dominante, tem permanecido à margem de regulação específica.
O alargamento da área de atuação da ERSE ao gás de garrafa vai surgir com a aprovação dos seus novos estatutos, que percorrem por estes dias as últimas etapas antes de avançarem para aprovação e promulgação. Só a partir de então a ERSE poderá começar a analisar o mercado e a identificar e castigar eventuais abusos que identifique nas diferentes etapas de venda do gás engarrafado. As multas a aplicar podem chegar a 10% do volume de negócios (VN) no caso de violações muito graves e aos 5% e 2% em casos de contraordenações graves ou leves, respetivamente.
Além da aplicação de sanções, que servirão para “moralizar” este mercado e cortar margens e posições de mercado eventualmente abusivas, a ERSE poderá também assumir a responsabilidade por calcular o reembolso médio devido a cada cliente pelo gás que não é aproveitado em cada garrafa – fica sempre um resto de gás, por razões de segurança. “A minha ambição é que, com esta questão do fundo de garrafa, os preços baixem, pela média. Não há forma de o fazer sem um regulador forte [a ERSE]. E temos a portaria preparada com esse objetivo”, revelou o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, ao Dinheiro Vivo.
Os estatutos atuais da ERSE abrangem apenas o mercado da eletricidade e do gás natural, razão pela qual o regulador não pode intervir naquela que é a via de fornecimento dominante de gás no país, o gás de garrafa, que serve três em cada quatro casas do país. Este é um mercado que tem estado sob alçada da Autoridade da Concorrência (AdC) mas que o governo, dada a especificidade do setor e a especialização da ERSE, decidiu alterar – mas sem retirar responsabilidades à AdC. O executivo comprometeu-se no Orçamento do Estado de 2017 em avançar com a “migração” da regulação sobre o gás engarrafado para a entidade da energia durante este ano, e é isso que acontecerá com a aprovação dos novos estatutos da ERSE.
O “caso do gás de garrafa é um dos problemas sérios no mercado, um problema já tradicional e é por isso que o governo propôs no OE que o gás de garrafa passe a estar regulado pela ERSE”, diz Jorge Seguro Sanches. Que reforça: “Tenho a expetativa que [a ERSE] use o seu poder sancionatório perante práticas desleais e anticoncorrenciais ou dominadoras do mercado.”
Apesar de ser a via dominante, o gás em garrafa é um mercado pouco controlado ao longo da extensa cadeia de distribuição, tendo a Deco denunciado recentemente que as margens de distribuição das empresas têm vindo a disparar apesar do preço médio de referência estar em queda. Será esta a razão para que ao contrário do que tem ocorrido com as restantes fontes, o preço do gás engarrafado continue a subir. A estes “contras”, junta-se um outro: tal como o DV noticiou esta segunda-feira, as tarifas sociais previstas para o gás abrangem apenas o gás natural, potenciando assim um “ângulo cego” na rede de proteção social do Estado, já que há 750 mil famílias carenciadas sem apoios no gás por não terem acesso à rede de gás natural.
“Todos nós percebemos que temos um problema para resolver mas queremos resolvê-lo da melhor forma e não criar um outro problema ao lado”, detalhou Seguro Sanches. A opção do executivo não passará por uma intervenção direta no mercado, até porque a ERSE é um regulador independente. De todas as formas, ter um regulador forte e especializado em energia a analisar, identificar e castigar abusos de margens ou de posições dominantes no mercado permitirá atacar os preços elevados do gás engarrafado, considera.
Além da correção natural de preços através do ataque a abusos cometidos, e tal como atrás referido, a primeira via através da qual a ERSE poderá começar a intervir passará então pela definição do desconto a atribuir aos clientes pelo gás não utilizado em cada garrafa.