No mesmo período, bancos “devolveram” 2,3 mil milhões em dividendos, a maioria pagos pela CGD. Dos privados, BPI é o único que vale mais do que aquilo que pediu
in: Dinheiro Vivo, 30 outubro 2016
Desde 2007, ano da eclosão da crise financeira, os principais bancos do sistema português recorreram aos acionistas para captar 11,2 mil milhões de euros em capital, valores que incluem BCP, BES, Caixa Geral de Depósitos e BPI. Estes valores, apesar de já elevados, ainda vão continuar a crescer.
O Millennium foi o banco que mais recorreu aos vários mecanismos existentes para levantar capital nos últimos anos, tendo ido buscar 4,3 mil milhões no período analisado, ao passo que o banco público surge, por ora, na terceira posição deste ranking, segundo os dados disponíveis na Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) e os relatórios e contas das instituições, as fontes consultadas pelo Dinheiro Vivo. O BPI foi quem menos recorreu aos seus acionistas – ver textos secundários.
Deste conjunto de bancos, o BES já não existe, mas a sua fatura persiste, e o BCP vale hoje menos de 25% do que a quantia que foi buscar junto dos investidores e, tal como a CGD, ainda vai pedir mais: a entrada da Fosun vai levar a uma nova injeção, entre 300 e os 500 milhões de euros, elevando ainda mais a conta e a diluição imposta aos acionistas, que já ascende a 94%.
Mas é sobre a CGD que paira a maior das parcelas por somar às contas. Aos 2,95 mil milhões de euros – 2,85 mil milhões em dinheiro – que o banco público solicitou aos acionistas (contribuintes) desde 2007, somar-se-á em breve uma exigência ainda maior: a recapitalização que está a ser ultimada vai movimentar pelo menos 2,7 mil milhões em ‘cash’ e a conversão de 900 milhões de CoCos em capital. Mesmo sem contar com a emissão de obrigações e a conversão da ParCaixa, também incluídas na operação, a fatura total do banco público atingirá os 6,5 mil milhões desde 2007 – ou 3,5% do PIB – superando nesse momento o total pedido pelo BCP.
Mas há ainda um outro banco cuja situação vai acabar por exigir o levantamento de mais capital, o ex-BES, hoje Novo Banco. “O montante de recapitalização do setor poderá ainda ser superior se nos lembrarmos, por exemplo, que, uma vez alienado o Novo Banco, poderá ser decidido avançar com um processo de recapitalização”, destaca Albino Oliveira, analista da Patris Investimentos, depois de questionado sobre os dados compilados pelo DV. Além disso, lembra, “o processo [de recapitalização] envolveu todo o setor”, nomeando a quebra do BPN e “a situação do Montepio” como outros exemplos.
Dividendos: 20% do pedido
Mas além de exigirem capital aos acionistas, estes bancos também distribuíram algum, ainda que o “resultado líquido” destas contas tenha sido muito negativo para os investidores.
Olhando como um todo, os bancos considerados entregaram aos acionistas 2,28 mil milhões de euros em dividendos desde 2007, o equivalente a 20,4% das capitalizações recebidas. A torneira dos dividendos foi fechada em 2010 – ou 2011, no caso do BES – depois das recomendações do supervisor para que este período fosse atravessado sem distribuição de lucros.
E se estes 20,4% já parecem um retorno baixo, pior são para quem apostou no BCP e no BES: face ao dinheiro que levantaram, estes dois bancos “devolveram” 10,6% – no caso do BES pré-colapso -, e 13,8% no caso do BCP.
Em termos absolutos, o banco líder em dividendos foi a Caixa Geral de Depósitos que, desde 2007, entregou 1070 milhões aos contribuintes. Já em termos relativos, a liderança cabe ao BPI, que tendo aumentado capital em 653 milhões, distribuiu 272,4 milhões.
Olhando para o rácio de dividendos distribuídos sobre o valor total de recapitalização, José Correia, gestor da corretora XTB, regista a boa performance do BPI, que pagou o equivalente a 42% do que pediu, peso que na CGD foi de 36%. “O BPI apresenta-se como um banco numa escala mais otimizada, conseguindo maximizar melhor o esforço acionista do que os seus concorrentes.”
CGD: no limite
Tratando-se de um banco público a CGD não se encontra muitas vezes no radar dos analistas financeiros. Porém, e dada a análise comparativa e a importância do banco, a CGD e a sua recapitalização eram incontornáveis.
“Tem estado nos últimos tempos no limiar de incumprimento face aos rácios de solvabilidade exigidos pela UE e terá de reunir recursos mais líquidos para responder às diretrizes europeias”, comenta o gestor da XTB, que destaca que no caso do banco público, há muito mais em jogo do que dinheiro. “Uma vez que é a maior instituição bancária de Portugal e está associada ao Estado, o seu destino ganha ainda maior relevância para o panorama financeiro nacional”, diz José Correia. Vê assim como “oportuno” que se reúnam todos os “recursos” para mostrar que a CGD está consolidada, algo que permitirá “uma maior flexibilidade de financiamento para os tempos vindouros e minimizando o risco de insolvência”.
Já Albino Oliveira aponta que o banco público, “pela sua dimensão”, dificilmente escaparia aos fatores que penalizaram o setor, referindo-se à “forte concessão de crédito no passado e aumento dos ativos em incumprimento após a crise financeira, crise da dívida e da forte recessão” portuguesa.
Sobre os valores das recapitalizações, o analista explica que são o reflexo das “fortes dificuldades” que a banca tem atravessado nos anos recentes, em que a “crise financeira” e a “crise da dívida soberana” levaram “a economia a uma forte recessão”. E o impacto destas foi ainda maior do que o valor das recapitalizações mostra. “Os bancos também avançaram com a venda de ativos e com a redução de custos. Contudo, em muitas situações estas duas soluções acabaram por não se revelar suficientes por si só”. E nada disto é exclusivo de Portugal, adverte, lembrando a desvalorização do principal índice europeu de bancos, hoje “mais de 70% abaixo dos seus máximos de 2007”.
Por fim, aponta o analista da Patris Investimentos, um outro factor criou pressão adicional sobre os bancos: “A regulação tornou-se mais exigente, após a crise financeira, o que também acabou por reforçar as necessidades de recapitalização.”
Caso a caso:
BCP: 4,3 mil milhões, e a subir
O BCP foi o banco que mais recorreu aos acionistas nos últimos anos, pedindo-lhes 4,3 mil milhões de euros desde 2007. No período, o banco emitiu ações a preços entre os 1,2 e 0,04 euros, passando de um total de 3,6 mil milhões de ações para 55,4 mil milhões – até à recente fusão de 75 títulos num só -, num impacto dilutivo total de 94%.
Aos 4,3 mil milhões de dinheiro fresco que entraram desde 2008, contrapõe-se hoje um valor de mercado do BCP inferior a mil milhões e a entrega de 576 milhões de euros em dividendos, ou seja o equivalente a 13,9% das entradas de dinheiro dos acionistas. Mas a soma ainda não acabou: a Fosun deve entrar no BCP através de novo aumento de capital, de 300 a 500 milhões, pelo que no final da operação estaremos a falar de uma fatura de 4,8 mil milhões, ou 2,6% do PIB.
A sequência de pedidos do BCP iniciou-se em abril de 2008, com a emissão de 1,08 mil milhões de ações a 1,2 euros. Seguiram-se, em 2011, a incorporação de reservas, com 206 milhões de ações, e outras 1,58 mil milhões em valores mobiliários (OPT) e uma nova entrada em ‘cash’, com 721,8 milhões de ações emitidas a 0,36 euros. Em 2012, surge a emissão a 0,04 euros, com 12,5 mil milhões de ações a trazer 500 milhões de euros e a última entrada de dinheiro fresco ocorreu em julho de 2014, a 0,065 euros por ação, onde 35,5 mil milhões novos títulos deram 2,24 mil milhões.
CGD: 2,95 mil milhões, e a subir
A CGD foi o terceiro banco que mais capital exigiu ao acionista desde 2007, período que, neste caso, ficou marcado pela “absorção” do BPN. Apesar da terceira posição em quatro, a recapitalização já em fase final deverá levar a CGD ao topo da tabela.
O banco recorreu aos acionistas (no caso, os contribuintes) para ir buscar 2,95 mil milhões de euros desde 2007, dos quais 100 milhões vieram da reclassificação de reservas, em 2011, e o remanescente pela entrada de dinheiro – 150 milhões em 2007; 400 milhões em 2008; mil milhões no ano seguinte, 550 milhões em 2010 e 750 milhões em 2012. Considerando os dividendos pagos nos mesmos anos, da ordem dos 1070 milhões, a CGD “devolveu” o equivalente a 37% do capital recebido – o segundo rácio mais elevado.
Tratando-se do maior banco do sistema, estes reforços da capital na Caixa têm sido criticados por não terem sido aproveitados para injetar logo mais dinheiro na CGD – especialmente em 2012, quando o banco recebeu o mínimo dos mínimos. Mas, mesmo pecando por tardio, o dinheiro já aí está: do que se conhece, a CGD vai receber 2,7 mil milhões em capital e outros 900 milhões pela conversão dos CoCos, num total de 3,6 mil milhões – que não inclui a emissão de obrigações e conversão de 48% da ParCaixa.
Esta recapitalização vai assim superar todo o capital que entrou no banco desde 2007, elevando a fatura dos acionistas para pelo menos 6,5 mil milhões.
BES: 3,2 mil milhões, mas falta o resto
Tem às costas o aumento de capital mais ingrato dos analisados: em junho de 2014 foi buscar 1045 milhões de euros, pedindo 0,65 euros por título emitido. Estes, no final de julho, já valiam 10 cêntimos e eclipsaram-se no início de agosto com a resolução. “Foi o aumento de capital com mais sucesso desde 1992”, disse Ricardo Salgado aquando do apuramento dos resultados da emissão.
Ao todo, e desde 2007, período que analisámos, o Espírito Santo pediu 3,25 mil milhões de euros aos mercados, “devolvendo-lhes” 347 milhões em dividendos (10,5%, o rácio mais baixo). Os aumentos de capital começaram em 2009 com a emissão de 666 milhões de ações – seria um sinal? -, a 1,8 euros cada. Em 2012, o BES já pedia 0,4 euros por título para emitir 2,5 mil milhões de ações e encaixar 1,09 mil milhões, seguindo-se a emissão de junho de 2014. O impacto diluitivo de todas estas emissões foi de 91%, com o BES a aumentar o total de ações de 500 milhões em 2009 até as 5,12 mil milhões no pré-colapso.
Surgindo na segunda posição dos bancos que mais capital pediram, atrás do BCP, as contas ao BES não estão fechadas: o Estado emprestou 4,9 mil milhões para suprir falhas de capital no Novo Banco, que nasceu das cinzas do BES, e a fatura final vai ficar dependente do valor de venda deste banco – podendo, num cenário mais agressivo, ficar à frente da fatura do fecho de contas da CGD.
BPI: Mais retorno e menos diluição
É o banco que sai melhor da compilação dos aumentos de capital a que os bancos recorreram. Às diluições superiores a 90% e aos dividendos equivalentes a 13,8% ou 10,5% registados pelo BCP e BES, o BPI responde com uma diluição de apenas 48% – passou de 760 milhões para 1,45 milhões de ações – e a entrega aos acionistas de 272,4 milhões em dividendos, ou seja 41,7% dos 653 milhões que acumulou em aumentos de capital desde 2007. Além disso, é o único que se pode ver como tendo esta fatura fechada.
O recurso aos acionistas por parte do BPI começou em 2008, com uma emissão de 140 milhões de ações a 2,5 euros, resultando num encaixe de 350 milhões. Seguiu-se a incorporação de reservas, já em 2011, que levou à emissão de mais 90 milhões de ações, e, em agosto de 2012, uma nova emissão, agora por 0,5 euros, que trouxe mais 200 milhões. Por fim, e em junho de 2014, uma troca de valores mobiliários por ações, que trouxe 103,6 milhões de euros e, no fundo, a capacidade de libertar-se dos CoCos. Ao todo, o BPI foi buscar 653 milhões de euros junto dos seus acionistas no período considerado, valor que hoje compara com uma capitalização bolsista superior a 1,6 mil milhões de euros.
Ao contrário do BES e do BCP, cujos aumentos de capital surgiram com direitos de preferência, no caso do BPI as duas operações foram reservadas a acionistas.
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