Enquanto Alexis Tsipras negou que referendo seja um qualquer tipo de golpe, Martin Schulz admitiu que quer trocar Syriza por alguém que assine o acordo
Os equilíbrios na Grécia parecem estar cada vez mais frágeis. Se Alexis Tsipras se viu ontem obrigado a negar que o referendo era um qualquer “golpe” para tirar a Grécia do euro, como têm insistido os partidos da oposição, já o líder do Parlamento Europeu, Martin Schulz, defendeu que em caso de vitória do “sim” o governo de Tsipras deve ser substituído por “um governo de tecnocratas” que negoceie um novo acordo de austeridade, acordo esse que será depois herdado pelo novo governo, só então eleito pelos gregos. Dado o ânimo de alguns partidos, será difícil que tal ocorra sem contestação.
Ontem realizou-se um encontro entre Alexis Tsipras e o seu ministro da Defesa, Panos Kammenos, dos Gregos Independentes (GI), partido da direita mais conservadora que participa na coligação de governo do Syriza mas está cada vez mais afastado do parceiro – muitos deputados dos GI já avisaram que não devem votar como Tsipras tem pedido. A reunião entre o primeiro-ministro e o responsável pelas ForçasArmadas serviu para debater os cortes no exército e para “reforçar as garantias dos militares democráticos” pela defesa da soberania do país.
Ao longo da reunião, e segundo o comunicado do Ministério da Defesa sobre a mesma, Tsipras assegurou que “nenhuma das propostas feitas aos credores incluíam cortes nas Forças Armadas”, recordando que estas já “sofreram reduções de 50% nos seus ganhos e que o orçamento está no limite para assegurar a manutenção básica de sistemas e das nossas forças”. Porém, na última proposta enviada por Atenas a Bruxelas estão previstos cortes de 400 milhões de euros na Defesa, divididos por dois anos. Juntando a este “detalhe” dos cortes na Defesa o facto de ontem quatro deputados dosGregosIndependentes terem assumido que vão votar “sim” ao contrário da indicação do governo, é fácil deduzir que a coligação está segura por fios.
Manifs preocupam Uma outra preocupação que marcava ontem os meios gregos eram as manifestações agendadas para o dia de hoje. É que uma será de apoio ao “sim” e outra ao “não” mas ambas foram marcadas para a mesma hora e para locais que estão separados por menos de um quilómetro em linha recta. Os alertas estarão em máximos.
Governo de tecnocratas O líder do Parlamento Europeu defendeu ontem de manhã que em caso de vitória do “Sim”, Tsipras devia abandonar o governo, quase que confirmando quem tem acusado o statu quo europeu de estar a tentar forçar a saída do Syriza. “Serão necessárias novas eleições se o povo grego votar pelo acordo e, logo, ficar no euro. Tsipras, logicamente, terá que se demitir”, disse. A esquerda radical tem que ser substituída por uma administração tecnocrática, reforçou:“Este governo de transição chegará a um acordo razoável com os credores e o tempo do Syriza chegava ao fim e a Grécia teria uma nova hipótese.”
Na entrevista dada ontem por Varoufakis (texto ao lado), um dos temas mais focados foi precisamente os objectivos ocultos dos líderes europeus, que os governantes gregos têm recorrentemente acusado de estarem mais preocupados em tirar o Syriza do governo do que com a resolução da crise. Para Varoufakis não há grandes dúvidas que o caso é mesmo esse.
As declarações de Schulz, aliás, justificam a insistência de Tsipras na ideia de que o referendo é para “defender a democracia”. “Ou cedemos perante ultimatos ou optamos pela democracia”, disse ontem o primeiro-ministro, em nova entrevista à televisão, onde aproveitou para acusar os jornais de estarem a fazer campanha pelo “Sim” e por motivos ocultos. Os meios de comunicação social têm estado no centro de muitas críticas na Grécia. Ontem foi publicada uma sondagem com vitória do “Sim” mas cuja divulgação foi ilegal, já que avançou sem autorização da empresa responsável e com dados incompletos – relativos apenas a um dos dias durante os quais decorreram os inquéritos.
in: Jornal i, 3 Julho 2015