Nobel da Economia critica duramente a atitude europeia face à decisão do governo grego em avançar com um referendo
Num artigo de opinião publicado no Project Syndicate, Joseph Stiglitz, Nobel da Economia em 2001, critica duramente os programas impostos pela troika à Grécia mas também todo o projecto da zona euro, montada sobre uma teia de relações de poder que são “a antítese da democracia”. O professor da Universidade de Columbia acusa mesmo a zona euro de ser incompatível com a legitimidade popular, daí as críticas dos líderes dos estados-membros ao referendo lançado pelo governo grego.
Para Stiglitz, Tsipras “quis dar uma oportunidade aos gregos para se pronunciarem num assunto tão crítico para o futuro do país”, uma “preocupação com a legitimidade popular” que “é incompatível com as políticas da zona euro, que nunca foi um projecto democrático”. E lembra: “A maioria dos governos dos estados membros nunca procurou a aprovação popular sobre a entrega da soberania monetária ao BCE. Quando a Suécia o fez, os suecos disseram que não. Perceberam que o desemprego iria subir se a política monetária do país fosse determinada por um banco central cujo único foco é a inflação.” Para Stiglitz, “o modelo económico que subjaz à zona euro” está assente “em relações de poder que colocam os trabalhadores em desvantagem. E, claro, o que vemos agora, 16 anos depois da institucionalização da zona euro, é que estas relações são a antítese da democracia”.
Sobre as discussões, ameaças e ultimatos dos últimos dias, Stiglitz refere que as mesmas serviram para os “líderes europeus” revelarem finalmente que a verdadeira disputa em jogo “é muito mais sobre poder e democracia do que sobre dinheiro e economia”. Lembra de seguida que a Grécia foi condenada a cinco anos de recessão, acumulando mais de 25% de contracção. “Não me lembro de nenhuma depressão, em tempo algum, ter sido tão deliberada e com consequências tão catastróficas: a taxa de desemprego jovem na Grécia, por exemplo, excede hoje os 60%.” E o pior é que não só “a troika rejeita responsabilidades de tudo isto ou admite as más previsões e modelos que fez” como também o facto de “os líderes europeus nem sequer terem aprendido” com os erros.
“A troika ainda exige que a Grécia consiga excedentes primários (sem juros) de 3,5% do PIB em 2018. Economistas de todo o mundo já condenaram esta meta que é punitiva, já que provoca inevitavelmente mais recessão. De facto, mesmo que a dívida grega seja reestruturada além de qualquer montante imaginável, o país continuará em depressão se os eleitores aprovarem o acordo com a troika no referendo”, assegura Stiglitz.
O professor de Economia lembra igualmente que “as recentes propostas do governo grego já representaram uma enorme aproximação face às exigências dos credores”, já que propôs uma austeridade avaliada em oito mil milhões de euros depois de ser eleito com um programa antiausteridade. Mas a verdade é que nada disto é sobre o dinheiro, alerta. “É sobre utilizar ‘prazos’ para forçar a Grécia a capitular e a aceitar o inaceitável – não apenas a austeridade mas as outras políticas regressivas e punitivas.” E remata: “Quase nenhum do dinheiro emprestado à Grécia foi realmente parar ao país. Serviu para pagar aos credores privados – incluindo à banca alemã e francesa. A Grécia não recebeu mais que migalhas e pagou um elevado preço para preservar o sistema bancário daqueles países.”
No entender de Stiglitz, para o statu quo europeu “é extremamente inconveniente ter um governo na Grécia que se opõe ao tipo de políticas que tanto fizeram para aumentar as desigualdades em muitos países avançados e que está tão comprometido em combater o poder descontrolado da riqueza. Eles [país da zona euro] acreditam que eventualmente conseguirão fazer cair o governo grego ao obrigá-lo, através do bullying, a aceitar um acordo que vai contra o seu mandato”.
Em que votar Por fim, o Nobel dá as suas indicações de voto: “Nenhuma das alternativas – aprovar ou rejeitar a troika – será fácil e ambas têm imensos riscos. O voto no ‘sim’ significará uma depressão quase interminável. Talvez um país depauperado – um que vendeu todos os activos e cujos jovens emigraram – possa finalmente ter um perdão na dívida; talvez, ao ser reduzida a uma economia de nível médio, a Grécia consiga finalmente ter apoio do Banco Mundial. Tudo isto pode acontecer na próxima década, ou talvez só na década a seguir a essa.”
“Em contraste, o voto no ‘não’ abre pelo menos a possibilidade de a Grécia, com a sua forte tradição democrática, pegar no seu destino pelas próprias mãos. Os gregos podem talvez reconquistar a oportunidade de moldar um futuro que, mesmo não sendo tão próspero quanto o passado, possa ser mais esperançoso que a deplorável tortura do presente.”
Termina com um esclarecedor: “Eu sei como votaria.”
in: ionline, 29 Junho 2015