É “privatizar ou morrer”, diz o governo. Contas sugerem o contrário: TAP já esteve bem pior e continua em melhoria
O grupo TAP chegou ao final do primeiro semestre deste ano com uma dívida inferior a mil milhões de euros, o regresso a um nível simbólico que a empresa não conhecia desde 2006 e que reflecte a trajectória de redução do endividamento em que a companhia entrou desde 2008, ano em que a sua dívida tocou o valor recorde de 1413 milhões de euros. Desde 2008, e até ao final do primeiro semestre deste ano, a TAP conseguiu cortar mais de 25% à sua dívida total.
A subida das dívidas da companhia aérea até 2008 acompanhou a aposta no reforço e crescimento da oferta com que a administração de Fernando Pinto avançou na última década, processo dificultado pela chegada em 2007 de um ciclo prolongado de preços altos no petróleo, o grande responsável por arrasar os capitais próprios da companhia aérea, situação que lentamente a transportadora tem vindo a superar.
A TAP até 2008 De 2005 até 2008, a dívida da TAP saltou de 808 milhões para 1413 milhões, numa subida justificada então pelo crescimento da companhia aérea. Nestes anos, a TAP aumentou 36% o total de horas voadas num ano – 171,7 mil para 233,8 mil – e os passageiros transportados – 6,4 milhões para 8,7 milhões. Com este crescimento da oferta, os proveitos operacionais da empresa cresceram 46% e os custos 64%: as receitas saltaram de 1,48 mil milhões para 2,16 mil milhões, com os custos a passarem de 1,49 mil milhões para 2,45 mil milhões de euros – incluindo o aumento de 17,3% do total de trabalhadores do grupo, de 9360 para quase 11 mil.
Estes anos de forte crescimento ficaram marcados por resultados operacionais e líquidos equilibrados, ainda que com altos e baixos. Os operacionais foram subindo gradualmente, de -12,8 milhões em 2004 para os 38,5 milhões de 2006 ou os 91,1 milhões de 2007. Também os resultados líquidos foram uma realidade constante: apenas em 2005 houve prejuízos, de 10 milhões, com os restantes anos marcados por lucros. Mas depois veio a explosão do preço dos combustíveis para avião – que se juntou à não resolução dos prejuízos da aposta da administração de Pinto na compra do ramo de manutenção da Varig no Brasil, que desde 2005 já custou mais de 300 milhões de euros à empresa.
O ano crítico de 2008 É nas contas de 2008 da transportadora aérea que melhor se nota o impacto da forte subida dos preços do petróleo nas contas da TAP. Com receios ou menos condições de apostar em hedging – contratos que visam proteger as companhias das oscilações no petróleo -, as contas da TAP passaram a andar ao sabor do petróleo: dos 32,8 milhões de lucro em 2007, a empresa passou para prejuízos de 288 milhões, a dívida chegou ao recorde de 1413 milhões e os capitais próprios passaram de 101 milhões positivos para -171 milhões. No exercício de 2008, o passivo da empresa ainda detida pelos contribuintes passou de 1,9 mil milhões para 2,4 mil milhões.
A subida do preço do jet fuel obrigou a TAP a gastar em 2008 mais de 700 milhões de euros em combustível – uma subida anual de 67% -, o que, posto em termos práticos, significa que a empresa passou de gastar em combustível 54 euros por passageiro em 2007 para 81 euros no ano seguinte. Os valores não mais regressaram aos 54 euros até hoje – e em 2004 a TAP não gastava mais de 33,4 euros.
Com a subida dos combustíveis, a empresa viveu um 2009 de redução na aposta no crescimento: o total de passageiros e de horas voadas decaiu, tendo-se porém iniciado a redução da dívida. Os 1413 milhões de 2008 passaram a 1303 milhões em 2009. Mas o petróleo voltaria a pesar: em 2010 e 2011, a TAP gastou 717 e 811 milhões nesta rubrica.
A bonança para a privatização Foi uma questão de quatro/cinco anos até a TAP se ajustar à realidade de viver com preços altos de petróleo. Desde o embate inicial, de 2008, e até 2013, último ano de contas completas, é notório o ajustamento que a companhia levou a cabo. Os resultados operacionais regressaram ao positivo logo em 2009, tendo a empresa nos últimos dois anos conseguido mais de 40 milhões de euros de resultados operacionais. Já os resultados líquidos têm-se mantido negativos desde 2008, mas desde os prejuízos de 72 milhões em 2011 que a companhia está em recuperação: em 2012 os prejuízos foram de 25,5 milhões e em 2013 de 5,9 milhões. E se no ano passado a TAP chegou a Junho com perdas de 136 milhões, até Junho deste ano este valor foi cortado 39%, para 83 milhões de euros.
Além da melhoria dos resultados, também a dívida tem continuado a cair, tendo chegado a Junho num valor inferior a mil milhões segundo a Parpública. E apesar dos preços elevados do petróleo que ainda se registavam até bem dentro do actual ano, desde 2009 que a TAP apresenta proveitos operacionais acima dos custos operacionais, situação que nem em 2004 ou 2005, de custos reduzidos em combustíveis, se verificava. Em 2013 e em 2012, a TAP ganhou com a sua operação mais 210 milhões do que gastou com a mesma. Um lucro operacional constante desde 2009.
A gradual melhoria das contas da empresa nos últimos anos levou até a Parpública a admitir em Maio de 2013 a hipótese de a TAP conseguir recapitalizar-se pelos seus próprios meios, “como sejam a continuada melhoria de resultados no transporte aéreo, o esforço de reestruturação e saneamento da actividade de manutenção” e a venda da operação de handling.
A melhoria das contas da TAP e esta posição da Parpública chocam, porém, com a urgência com que o governo justifica a necessidade de privatizar a companhia aérea: “A TAP ou é privatizada ou está condenada a desaparecer”, disse a ministra das Finanças. Isto depois de em 2013 a TAP ter conseguido finalmente inverter a degradação dos capitais próprios, de 380,8 milhões negativos para 373 milhões.
Evolução das contas da TAP, 2004-2013:
Proveitos: +93,2%
A TAP retira mais da sua operação do que aquilo que gasta para a manter. Os proveitos subiram de 1,4 mil milhões para 2,7 mil milhões em 2013. A TEP teve mais de 40 milhões de lucro operacional em 2012 e 2013
Custos: +76,6%
Depois de anos com custos operacionais acima dos proveitos, a TAP há cinco anos que consegue puxar os proveitos para valores acima dos custos. Em 2004, os custos eram de 1,4 mil milhões e em 2013 foram 2,46 mil milhões de euros
Dívida:
De 2008 a 2013, TAP cortou 362 milhões à dívida. E se em Dezembro de 2013 eram 1 051 milhões, em Junho de 2014 já eram menos de mil milhões. Só em 2012, corte na dívida foi de 200 milhões, financiado “por recursos próprios” da empresa
Dívida: +30,1%
Em 2005, a dívida era de 808 milhões, tendo então 6,4 milhões de passageiros – para um rácio de 126 euros em dívida por cada passageiro. Em 2013, dívida da TAP era de 1 051 milhões mas a empresa foi crescendo, tendo transportado 10,7 milhões de passageiros nesse ano – 98 euros de dívida por passageiro
Passageiros: +72,6%
É o resultado mais visível da aposta no crescimento da companhia. A TAP transportava 6,2 milhões de passageiros em 2004, tendo superado os dez milhões em 2012 e ficado perto dos 11 milhões no ano passado
Trabalhadores: +35%
De 2004 a 2013, a TAP aumentou o quadro em 3 288 trabalhadores, de 9 343 para perto de 12 700. Mas com um crescimento da operação maior que o aumento do pessoal, a companhia passou de um rácio de 663 passageiros por trabalhador em 2004 para 847 em 2013
Horas voadas: +48,5%
Aumentar o ritmo imposto aos trabalhadores foi uma das formas de Fernando Pinto extrair mais valor da TAP. De 2005 a 2013, TAP aumentou em 67% os passageiros e em 49% as horas voadas. O quadro de pessoal só cresceu 35%
Combustível: +270%
A TAP gastou em 2004 cerca de 207 milhões de euros em combustível, tendo transportado 6,2 milhões de passageiros no ano – média de 33,4 euros em combustível por passageiro. Já em 2013, esta média saltou para 71,7 euros combustível/passageiro
in: Jornal i, 26 Dezembro 2014