A dívida pública vai passar a custar mais 1,4 mil milhões por ano até 2019, o que obriga a mais austeridade. A crise alimenta-se a si própria
Não basta o IVA a 23,25%, não basta o IRS a bater recordes. Também não chegam os cortes já em prática, temporários ou eternos, nem a cada vez mais reduzida protecção social oferecida aos residentes em Portugal. Também não chega a evolução nos preços exigidos pelos transportes, gás, electricidade, saúde ou educação. As contas portuguesas, mesmo com o acelerador a fundo no que toca à cobrança de impostos e aumento do custo de vida, ainda precisam de mais. A austeridade vai ter que aumentar. Até quando? Agora é até 2019, ano até ao qual serão precisos mais sete mil milhões de euros em cortes e impostos.
“Não obstante o significativo esforço de consolidação orçamental realizado nos últimos três anos, que permitiu alcançar um saldo primário próximo do equilíbrio, o ajustamento das contas públicas está longe de estar concluído.” É desta forma que o Banco de Portugal deu ontem as boas-vindas ao pós-troika, período que para os residentes em Portugal vai ser assim mais do mesmo. Segundo as contas do banco central, os governos em funções entre 2014 e 2019 vão ter que ir buscar mais cerca de sete mil milhões aos bolsos dos cidadãos – 25% dos quais em medidas substituitivas, o que implica mais 5,25 mil milhões em novas medidas de austeridade.
O curioso destes números é que se alimentam a si próprios: a forte austeridade posta em prática em Portugal mergulhou o país numa crise mais profunda que o previsto, o que levou a dívida pública para níveis bem acima do previsto, e é exactamente o aumento do custo desta dívida que leva a que seja preciso mais austeridade. Senão vejamos: as previsões ontem avançadas pelo banco central têm “subjacente um aumento da taxa de juro média da dívida pública de 3,5% em 2014 para 4,2% em 2019. Esta hipótese implica um aumento das despesas em juros em rácio do PIB de 0,8 pontos” até 2019. Ou seja, os juros da dívida pública vão passar a custar mais 1,4 mil milhões de euros por ano até 2019 – isto quando já custam hoje 7,7 mil milhões de euros por ano. Esta evolução implica um aumento médio anual no custo da dívida de 280 a 300 milhões de euros. Logo, a dívida pública portuguesa vai custar mais 280 milhões no primeiro ano, mais 560 milhões no segundo ano, mais 840 milhões no terceiro ano, e assim sucessivamente até estar a custar mais 1,4 mil milhões de euros anuais – os 0,8 pontos do PIB – anualmente em 2019. No total, serão mais quatro mil milhões de euros para pagar juros entre 2015 e 2019, valor que compara com os 5,25 mil milhões de euros de nova austeridade que o BdP prevê que será necessário ao longo do período.
O Banco de Portugal divulgou ontem o seu Boletim Económico de Junho, onde além de uma série de previsões sobre a economia portuguesa [ver ao lado], revela a real dimensão que as medidas de curto-prazo tomadas desde 2011 deixaram para o futuro. “As estimativas obtidas apontam para a necessidade de um ajustamento adicional da ordem de quatro pontos percentuais do PIB até 2019”, lê-se no diagnóstico feito pela instituição liderada por Carlos Costa. Dos sete mil milhões de austeridade previstos para os próximos anos, apenas 25% serão de medidas substituitivas, o que significa que falamos em 5,25 mil milhões de euros em austeridade para acrescentar ao enorme rol de medidas actualmente em vigor no país – ou seja, mais 5,25 mil milhões além dos 14 mil milhões de medidas já em vigor. Do cruzamento destes números sai então uma conclusão: dos 5,25 mil milhões exigidos em nova austeridade, quatro mil milhões, ou 76% do total, vão servir para pagar o aumento dos juros registado só nesse período, culpa do aumento da dívida à conta da crise intensificada pela austeridade.
Segundo o banco central, Portugal está sujeito às regras do Tratado Orçamental que obrigam os países a ter um défice estrutural não superior a 0,5% do PIB em 2019. Manter a sustentabilidade da dívida pública é o objectivo, evitando que os credores sejam chamados a participar na divisão das perdas da crise provocada… pelos próprios mercados. A dívida pública é referida pelo BdP como algo “essencial no funcionamento de uma economia moderna”, desde que seja usada no “cumprimento das três funções habitualmente atribuídas ao sector público: estabilização macroeconómica, promoção da eficiência e redistribuição”. Olhando para a evolução portuguesa na última década, mas não exclusivamente nesse período, é discutível que a dívida acumulada pelos vários governos tenha servido algum daqueles propósitos.
in: Jornal i, 12 Junho 2014