Cavaco pede acção imediata do BCE sobre dívida e deixa governo isolado

De férias no Algarve, o Presidente da República fez sair um aviso directo ao Banco Central Europeu no dia em que passam cinco anos sobre o início da crise financeira, pedindo acção imediata sobre a dívida nacional. A última vez que o BCE interveio no mercado secundário foi há 21 semanas, acumulando desde Maio de 2010, quando começou a comprar obrigações dos países aflitos, mais de 210 mil milhões de euros de dívida destes países.

“E por que não o BCE começar a aplicar já aos títulos da dívida pública da Irlanda e de Portugal a orientação usada pelo seu presidente?” A pergunta, colocada via Facebook por Cavaco, tinha como gancho as declarações de Mario Draghi na semana passada. O Banco Central Europeu está por estes dias a preparar um novo modelo de compra de obrigações que, assegurou o presidente da instituição, será mais eficaz em termos de efeitos na pressão dos mercados sobre os países. Um dos pressupostos já conhecidos deste modelo passa pela exigência, como contrapartida, que os respectivos governos accionem oficialmente um pedido de assistência aos fundos europeus de resgate, ficando por isso sujeitos à assinatura de um acordo para cumprir programas de reformas estruturais. Em troca, o BCE abrirá uma torneira “de tamanho adequado” e abdicará ainda do seu estatuto de credor preferencial.

Duas ideias a que Cavaco Silva se referiu ontem, a tal “condicionalidade que garanta o cumprimento por parte dos Estados em dificuldades das políticas orçamentais e estruturais adequadas” e a “intervenção ampla e previsível no mercado da dívida soberana dos países” que pede ao BCE. Ideias que defendeu em Outubro passado, numa intervenção no Instituto Universitário Europeu de Florença que foi das mais duras que fez contra os actuais líderes europeus, a falta de decisão e até contra um “directório, não reconhecido, nem mandatado que se sobrepõe às instituições comunitárias”, uma referência clara a Alemanha e França. Ontem recordou parte do discurso, aproveitando o flanco aberto pelo presidente do BCE.

As palavras de Draghi do início de Agosto foram vistas como um recado directo a espanhóis e italianos, que têm pedido a intervenção do BCE no mercado secundário para reduzir a pressão sobre a sua dívida. Mas e quanto aos países que já assinaram programas ou memorandos de ajustamento? É a esta omissão no discurso de Draghi a que o Presidente da República se referiu, quando pediu que o BCE avançasse “já” sobre os títulos de dívida irlandeses e portugueses, países com memorandos assinados com a troika.

Este “já” é relativo, porque ainda não há qualquer decisão prática sobre o avanço do fundo de resgate europeu para a compra de obrigações, algo que continua pendente da análise do Tribunal Constitucional alemão sobre a participação do país neste mecanismo.

Governo isolado As palavras do chefe de Estado foram aproveitadas pelo PS e atacadas pelo Bloco de Esquerda que preferia ver Cavaco a “instar oficialmente o governo” sobre o reforço do papel do BCE e não a mandar “recados por notas no Facebook”. O PS, através do secretário nacional João Ribeiro aproveitou a deixa presidencial para pedir ao governo “que reveja a posição e apoie as propostas do PS nesta matéria. O PS dá uma terceira oportunidade ao governo para rever a sua posição e apoiar claramente o reforço da intervenção do BCE”, disse Ribeiro. Ainda no final de Maio, a maioria viabilizou uma recomendação socialista (a famosa adenda ao Pacto Orçamental) , mas recusando dois pontos de honra para o PS: os e, precisamente, o reforço do papel do BCE.

Mas do governo nem uma palavra, ainda menos do Ministério das Finanças que, contactado pelo i, não deu qualquer resposta sobre esta matéria. Passos Coelho e Vítor Gaspar têm evitado exigir ou sequer falar em novas condições para Portugal, limitando-se à ladainha que têm gasto do “o Memorando é para cumprir”. Passos Coelho tem insistido que o papel do BCE “está muito bem descrito” no Tratado de Lisboa. Mas o cerco aperta, agora também do lado do Presidente da República com este pedido para uma acção imediata do BCE. Uma posição que nem sequer já é rejeitada dentro do PSD onde Miguel Frasquilho, deputado social-democrata, tem sido um dos principais defensores de que “o BCE devia ter um papel mais activo”.

in: Jornal i, 10 Agosto 2012