Quem decide é quem vota e Merkel não vota em Paris
Hollande ganhou as eleições com uma campanha assente no não à austeridade cega, na recusa em assinar em branco o Tratado Orçamental e em várias promessas sociais. Cá fora a discussão visou sobretudo o Tratado, já que é o ponto que mais influenciará a UE.
Os franceses, chamados a decidir, mostraram que não querem mais a austeridade cega e que não querem que o seu país aceite um conjunto de leis de força constitucional vindas de Bruxelas sem as questionar. Em Berlim e noutros cantos, a reacção foi tão rápida como antidemocrática: o tratado é “inegociável”, disse Merkel. Ou seja, volvidos quatro anos de crise, não se aprendeu nada. Se os franceses foram às urnas dizer que não querem seguir um caminho, vai correr mal que uma alemão lhes diga que não têm alternativa àquele caminho – para que serviram as eleições?
Os governantes europeus podem ter caído irremediavelmente na acefalia – em Portugal vamos ratificar um tratado que 99% da população desconhece e o governo já se dá ao desplante de omitir dados ao parlamento –, mas os povos estão a tomar consciência dos caminhos que querem. E não é por alguém achar que um caminho é errado que tem o direito de passar por cima de eleições. O caminho escolhido pelos franceses até pode estar errado, mas foi o eleito.
A UE já anda a trilhar um caminho escolhido à revelia da população há demasiados anos e este caminho, já se viu, é tão como as suas alternativas ou mais – e é uma via, ironicamente, escolhida por quem enfiou a UE no buraco actual. Chegou a hora de trilhar o caminho que os europeus querem. Alguém imagina, por exemplo, que Merkel dê ordens a Hollande para não avançar com a adopção por casais homossexuais? Jamais! Então porque terá o direito de impor decisões económicas? Chegámos a uma fase crítica da crise: mais do que procurar o crescimento económico, é vital fazer renascer a democracia. Chega de violações às constituições e a eleições. E são estes os alertas que Bruxelas não está a interiorizar.
in: Jornal i, 10 Maio 2012