Ego, o banqueiro descontrolado
Este país não me merece. Depois de tudo o que ganhei, das taxas que inventei e das casas que impingi, agora tentam enganar-me?! No outro dia ligaram-me a oferecer um empréstimo que me salva a vida. Estou afundado em créditos malparados e este dinheiro vai salvar-me. Até aqui tudo bem, até porque o senhor que me ligou disse que os juros do empréstimo não vão ser pagos por mim. Vão ser cobrados à plebe, através de cortes nos salários e pensões abaixo de mil euros ou quanto é que a populaça ganha por não ter um MBA – qualquer um pode pagar um MBA – ou por não querer trabalhar. Que paguem o meu empréstimo, é bem feita!
Continuando. “Aqueles que entupi com créditos vão pagar a salvação da banca? Outra vez?!”, reagi. Será isto suficiente para nós? Claro que não, não foi com estes raciocínios que chegámos onde chegámos: ao topo, à capa da “Exame”, os King of the World deste Titanic que é Portugal! Assim, agi em conformidade com o meu pedigree: ainda ao telefone, impus condições, que ninguém me oferece dinheiro sem eu pedir algo em troca! “Até aceito, mas não me venham cá pedir garantias!” Toma! Agora mostrei-lhe! “Ego, estás satisfeito?” Of course not – sim, falo inglês, faço road-shows e sou very important. Quero mais! Mais!
Ligo ao meu estafeta e peço-lhe que envie uma carta de indignação às mais altas instâncias: “Dear Most High Instances, vou processar-vos por me oferecerem uma batelada de dinheiro e ainda terem a lata de pedir seja o que for.” Exagero? Nada disso, não fiquei rico por acaso e esta carta mal me satisfez. Agora vou às televisões dizer mal: “É bom que não tentem ganhar dinheiro comigo! É que isso de ganhar dinheiro à conta de pessoas em extremas dificuldades, peço desculpa, mas é um exclusivo da banca!” Olha agora, querem fazer-me concorrência… Calma, o telefone está a tocar. Ora bolas, um jornalista: “Por que razão a banca aceitou os pedidos de Sócrates para comprar dívida pública e dar ainda mais crédito às empresas públicas? Não são culpados da vossa própria miséria?” Ah! O desplante! O que sou obrigado a aturar… Este país não me merece.
in: Jornal i, 17 Novembro 2011