Ouvimos muitas vezes líderes políticos e grandes responsáveis por institutos ou empresas a apelar ao bom-senso e à calma dos portugueses nesta altura de aperto, por vezes com discursos onde generalizam a culpa do estado actual das coisas, atirando frases como “os portugueses viveram acima das possibilidades durante vários anos.”
Ora desenganem-se, que nem os portugueses são os culpados, nem quem abusa repetidamente da população pode pedir bom-senso e calma. Basta ver os exemplos que nos chegam de cima. O Estado não tem bom-senso nem calma quando chega a hora de aumentar impostos, retirar apoios sociais ou de dividir o esforço da austeridade, mostrando-se totalmente cego. O aumento do IVA na electricidade sem retirar uma única daquelas taxas que surgem na factura, ou mesmo sem precaver qualquer tipo de protecção para todos aqueles no limiar da pobreza, é só o último exemplo dessa cegueira.
As empresas, igual. Algumas abusam nos preços, outras cobram por tudo e mais alguma coisa, outras abusam dos empregados e cortam salários, exigem o cumprimento de horários ilegais e baseiam a motivação no medo do desemprego. Quem sofre com estes abusos? Os portugueses, que têm de manter a calma e o bom-senso apesar de terem a certeza que mais de metade dos impostos que pagam vão para o lixo ou para os bolsos de um incapaz, e que também têm de aturar patrões muitas vezes incapazes e que só chegaram a cargos de chefia porque o país está construído para beneficiar o chico-espertismo. Querem calma? Querem bom-senso? Espero que não o recebam. Pois se os portugueses têm uma quota na culpa desta crise é só e apenas por terem concedido anos a mais de calma e bom-senso.
in: Jornal i, 22 Agosto 2011