Banca da zona euro é dominada pelo setor público e pouco transparente

Entre os 100 maiores bancos do euro, mais de 40% estão em mãos públicas, sobretudo dos alemães, e mais de 60% sofrem interferências políticas

in: Dinheiro Vivo, 5 junho 2017

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As posições públicas na Caixa Geral de Depósitos (CGD) e no Novo Banco são apenas uma pequena gota numa região onde o setor financeiro é, afinal, dominado por participações estatais. Entre os quase 100 bancos europeus considerados “instituições significativas”, os supervisionados pelo Banco Central Europeu, mais de 40% estão em mãos públicas, sendo esta a fatia mais representativa entre as diferentes formas de controlo em que os bancos se dividem.

A conclusão surge de um levantamento feito por Nicolas Verón, investigador senior do think tank europeu Bruegel, e responsável pela avaliação ao FMI que arrasou a supervisão do Banco de Portugal à banca. “Os decisores europeus e os analistas tendem a partir do princípio que a maioria dos bancos são entidades cotadas, com estruturas dispersas entre vários investidores”, começa por referir o autor. E o seu trabalho, agora publicado, mostra precisamente o contrário e até mais: Além do predomínio público, Verón aponta que não mais de 35% dos bancos da região devem ser vistos como instituições transparentes.

“Os bancos cotados, com acionistas diversificados, são a exceção em vez da regra entre os bancos mais significativos do euro”, diz o autor. É que além das instituições detidas por fundos, fundações, cooperativas ou privados com mais de 50% do capital, também os bancos controlados pelo setor público entram no seu leque de bancos opacos, limitando a uma expressão reduzida os que podem ser vistos como transparentes.

“A maioria destes bancos significativos são detidos por governos ou cooperativas, ou influenciados unicamente por um acionista ou alguns investidores com grandes participações ou de qualquer outra forma propensos a sofrer influências políticas diretas”, refere no trabalho. E o resultado deste tipo de controlos é apenas um: “A transparência pública de muitos bancos é reduzida”, algo que influencia negativamente o grau de respeito pela disciplina de mercado, a rentabilidade e a atração de capital, sintetiza. “Tendem a correr riscos desnecessários à conta de interferências políticas”, acrescenta.

Governo alemão tem 45% da banca

No grupo de bancos regulados pelo BCE há 126 instituições, que se tornam 122 ao eliminar-se os que têm os mesmos donos e 97 se olharmos só para os que estão sedeados na zona euro. E a atenção do investigador do Bruegel visou este conjunto de 97, dividindo-os em seis tipos de estrutura acionista: dispersa, de influencia minoritária, de controlo privado, de cooperativas, do setor público ou nacionalizados – os de ‘setor público’ são aqueles que sempre estiveram no Estado (como a CGD) e os nacionalizados são os resgatados (Novo Banco).

É através da divisão dos bancos por estas categorias que Verón conclui pela domínio da mão pública no setor financeiro da zona euro: não só existem 21 bancos públicos, como há dez nacionalizados e outros nove onde o maior acionista individual é a administração central ou local. São assim 40 instituições, ou 41% das 97 instituições significativas, controlados por entidades públicas.

Deste grupo de 40 bancos, a maior parte encontra-se na Alemanha, onde se contabilizam dez bancos do setor público e três onde o maior acionista é uma entidade pública. Somando o peso destes, nota-se que 45% dos ativos da banca alemã são do Estado: dos 4,4 biliões detidos pelo setor na Alemanha, pouco mais de dois biliões estão nestes bancos.

Em contraste com este perfil da zona euro, Verón coloca os bancos anglo-saxónicos: das 53 instituições australianas, canadianas, britânicas e norte-americanas que preenchem os requisitos para serem vistas como “instituições significativas”, o autor só encontrou um banco nacionalizado, nenhum do setor público e a grande maioria – 43 – com o capital disperso por vários acionistas.

Transparência ou opacidade

Além do controlo estatal, Verón sublinha que há outro tipo de estruturas nos bancos do euro que promovem a falta de transparência e a resposta a incentivos pouco associados ao mercado.

O autor aponta como exemplo os oito bancos em que “o maior acionista é uma fundação nacional ou regional, tipicamente controlados ou influenciados por interesses políticos”. E, somando estes aos antes referidos, Verón calcula então que “pelo menos 64% de todas as instituições significativas da zona euro, representando 13,5 biliões de ativos ou 61% do total”, acabam por estar sujeitas “a algum tipo de interferência política”.

Lembrando que a banca da zona euro ainda está em fase de ajustamento pós-crise, pelo que as atuais conclusões são limitadas no tempo, ainda mais quando “é expectável que se registem mudanças em pelo menos 11 bancos durante 2017”, o investigador da Bruegel não deixa de realçar os vários riscos que estas conclusões levantam para a estabilidade do setor financeiro.

“Concluir que as estruturas de gestão da maioria dos bancos da zona euro são potencialmente vulneráveis a algum tipo de interferência política e de que apenas uma minoria são empresas cotadas com capital relativamente disperso tem várias implicações para a estabilidade, resiliência contra choques e outras áreas das políticas públicas”, adverte o autor face às conclusões.

Verón identifica quatro riscos principais: existindo só uma minoria de bancos cotados, então a maioria não está sujeita às mesmas regras de transparência associadas aos mercados; os incentivos a privilegiar dividendos à retenção de capital são mais elevados, contagiando a concorrência; e com uma maioria de bancos entregues a acionistas com grandes posições, a resistência à atração de capital fresco é mais elevada.

O quarto risco elencado é então o da já referida politização: “Pode levar os bancos a desviarem-se dos seus fins comerciais privilegiando, por exemplo, a concessão de créditos a setores ou empresários específicos ou ao próprio governo.” Este risco acarreta um outro, o que esteve na origem da disseminação da recente crise já que, aponta o Verón, “perpetua o ciclo vicioso entre banca e dívida pública, factor-chave da crise da zona euro”.

Mais dispersão, mais benefícios

Face a estes riscos, Nicolas Verón conclui recomendando que o setor financeiro da região procure aumentar o total de bancos cotados e com estruturas acionistas dispersas, o que não só traz “mais flexibilidade na atração de capital”, como eliminará gradualmente “o ciclo vicioso banca-Estado”, garante. E para atingir este fim, será necessário mais privatizações, aponta.

“Esta análise sugere mais razões para privatizar os bancos em mãos públicas, além dos nacionalizados, e também a venda de participações estatais noutros bancos”, resume o investigador, sublinhando que estas operações devem ir além “das obrigações a que os estados-membros estão atualmente sujeitos dentro do quadro dos auxílios estatais”.

Mas estas privatizações não são para avançar a qualquer preço, adverte logo Nicolas Verón que recomenda mesmo que se evitem vendas ao desbarato ou a investidores que vão perpetuar a opacidade dos bancos.

 

Banca nacionalizada ou pública
Nome País Governance Ativos* Quem Participação
ABN Amro Holanda Nacionalizado 390 Governo central 70,00%
LBBW Alemanha Setor público 234 Governo regional 60,00%
DEXIA Bélgica Nacionalizado 230 Governo central** 95,00%
Banque Postale França Setor público 219 Governo central 100,00%
BayernLB Alemanha Setor público 216 Governo regional 75,00%
Bankia Espanha Nacionalizado 207 Governo central 66,10%
NORD/LB Alemanha Setor público 181 Governo regional 59,10%
Belfius Bélgica Nacionalizado 177 Governo central 100,00%
Landesbank Alemanha Setor público 172 Governo regional 70,00%
BNG Bank Holanda Setor público 150 Governo central e regional 100,00%
NRW Bank Alemanha Setor público 141 Governo regional 100,00%
HSH Nordbank Alemanha Setor público 110 Governo regional 95,00%
Allied Irish Irlanda Nacionalizado 103 Governo central 99,80%
CGD Portugal Setor público 101 Governo central 100,00%
Land Rentenbank Alemanha Setor público 93 Governo central 100,00%
Waterschapsbank Holanda Setor público 91 Governo central e regional 100,00%
Erwerb Finanzgruppe Alemanha Setor público 87 Governo regional 100,00%
SFIL França Setor público 84 Governo central 100,00%
L-Bank Alemanha Setor público 73 Governo regional 100,00%
SNS Bank Holanda Nacionalizado 63 Governo central 100,00%
Novo Banco Portugal Nacionalizado 59 Governo central 100,00%
HASPA Alemanha Setor público 46 Governo regional 100,00%
BpiFrance França Setor público 45 Governo central 100,00%
Banque et Caisse Luxemburgo Setor público 43 Governo central 100,00%
Banco Mare Nostrum Espanha Nacionalizado 41 Governo central 65,00%
AF Developpement França Setor público 36 Governo central 100,00%
MuniFin Finlândia Setor público 34 Governo central e regional 100,00%
TSB Irlanda Nacionalizado 29 Governo central 75,00%
Cooperative Central Chipre Nacionalizado 14 Governo central 99,00%
Ljublanska Banka Eslovénia Setor público 12 Governo central 100,00%
Abanka Eslovénia Setor público 4 Governo central 100,00%

 

Banca cujo maior acionista é público
Nome País Governance Ativos* Quem Participação
BNP Paribas França Maior acionista 1994 Governo central 10,20%
Commerzbank Alemanha Maior acionista 533 Governo central 15,60%
Bank of Ireland Irlanda Maior acionista 131 Governo central 14,00%
National Bank Grécia Maior acionista 111 Governo central 38,90%
Piraeus Bank Grécia Maior acionista 88 Governo central 26,00%
Alpha Bank Grécia Maior acionista 69 Governo central 11,00%
Pfandbriefbank Alemanha Maior acionista 67 Governo central 20,00%
Aareal Bank Alemanha Maior acionista 52 Fundo de pensões público 6,50%
Bank of Valetta Malta Maior acionista 10 Governo central 23,40%
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