Moscovici: Medidas de alívio da dívida não estão na ordem de trabalhos

Em março, Moscovici explicou ao PE que dívida portuguesa já tem prazos “bastante alargados” e que não será debatido qualquer perdão. E elogiou o IGCP

in: Dinheiro Vivo, 2 maio 2017

As diferentes vias por que pode ser procurado um alívio do peso da dívida pública portuguesa “não estão nem nunca estiveram na ordem de trabalhos” da Comissão Europeia (CE). Quem o afirmou foi Pierre Moscovici, comissário europeu dos Assuntos Económicos, que em março último recusou a hipótese de se alongarem as maturidades dos empréstimos europeus cedidos à República.

Numa resposta dada a propósito das diversas vias que poderiam ser seguidas para aligeirar o custo da dívida portuguesa, Moscovici deixou clara a posição da Comissão Europeia sobre esta possibilidade, evidenciando então os obstáculos que as recomendações do grupo de trabalho para a dívida portuguesa enfrentarão caso sejam levadas até Bruxelas.

Na resposta dada a uma solicitação do Parlamento Europeu, o comissário elogiou também a gestão do endividamento português pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), apontando ainda que os prazos que Portugal já hoje tem são “bastante alargados”.

“A sólida gestão da dívida por parte da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública e os prazos de vencimento bastante alargados da dívida do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF) fazem com que as necessidades de financiamento sejam controláveis”, assegurou Moscovici, depois de ter sido questionado sobre as ideias “de grande parte da esquerda europeia” em prol da reestruturação da dívida pública em alguns países do euro.

A avaliação feita em março por Moscovici ao trabalho desempenhado pelo IGCP choca agora com algumas das leituras presentes no relatório do Grupo de Trabalho sobre a Sustentabilidade da Dívida Externa apresentado na última sexta-feira, que critica a opção por parte daquela agência de esticar gradualmente as maturidades da dívida, o que acaba por torná-la mais cara.

As posições do comissário europeu, manifestadas no passado dia de 10 de março, surgiram em resposta a um conjunto de questões colocadas por Nuno Melo, eurodeputado do CDS, já no início do ano.

“No debate político, grande parte da esquerda europeia reclama a reestruturação da dívida pública de alguns países da área do euro, nomeadamente dos mais afetados pela recente crise económica e financeira, como forma inevitável e imprescindível para a resolução dos seus problemas”, aponta o centrista nas suas questões. “O argumento é de que, pelos montantes, tais dívidas são impagáveis, consequentemente, defendem o perdão de parte das dívidas, de juros e o prolongamento de prazos”, sintetiza.

Na resposta ao português, dada através do Parlamento Europeu, Pierre Moscovici lembrou então que a CE “avalia periodicamente a capacidade de reembolso de Portugal no âmbito da supervisão pós-programa”, avaliação essa que inclui uma análise “da sustentabilidade da dívida pública em diferentes cenários de crescimento do PIB e de taxas de juro”.

A última destas análises data já de setembro do ano passado tendo concluído que o rácio da dívida sobre o produto português irá diminuir “moderadamente no cenário de base a curto e a médio prazo”. Esta mesma análise citada por Moscovici, e tal como o próprio assume na resposta a Nuno Melo, mostra também que a dívida irá manter-se “num nível elevado” a curto e a médio prazo. Mas nem assim existem razões para colocar a renegociação da dívida em cima da mesa.

“Estas análises não tomam em consideração medidas tais como o perdão da dívida, que não estão nem nunca estiveram na ordem de trabalhos”, conclui na resposta ao centrista.

Desta forma, e mesmo considerando que o governo apoia uma das ideias defendidas pelo GT – o alongamento de maturidades dos empréstimos europeus, admitiu João Leão na última semana -, a verdade é que o mesmo governo só admite avançar para a mesma se a opção for “colocada no plano europeu”, algo que parece hoje ainda distante das ideias da CE.

Dívida portuguesa é a que mais riqueza leva

A economia portuguesa dedicará ao longo deste ano cerca de 4,2% do seu produto interno bruto (PIB) só para saldar juros da dívida pública. São mais de oito mil milhões de euros que, em termos relativos, não encontram paralelo entre os restantes países da moeda única. Portugal lidera o ranking da riqueza hipotecada com os juros da dívida, e por larga vantagem.

De acordo com os vários planos orçamentais para 2017 entregues nos serviços da Comissão Europeia em outubro de 2016, e então consultados pelo Dinheiro Vivo, só os contribuintes italianos são obrigados a dedicar quase tanta riqueza como os portugueses para cumprir os compromissos da dívida. Segundo o plano orçamental italiano para este ano, o nível de riqueza hipotecada pelos juros da dívida italiana chega a 3,7% do PIB. O curioso neste caso é que a dívida italiana persiste acima da portuguesa – 132,6% do PIB contra 128,3%. Aqui a diferença passa pelo perfil, gestão da dívida e o seu custo médio: os italianos apresentam um juro implícito de 2,9% que, no caso da dívida portuguesa, chega a 3,5%.

Na mesma situação que os italianos em relação a Portugal estão os gregos, surgindo como os terceiros mais castigados pelos juros da dívida. Fruto de anteriores renegociações e períodos de carência à dívida grega, esta deverá custar 3,2% do PIB helénico ao longo de 2017.

Os valores gastos pelas economias portuguesa, italiana e grega em juros comparam com a média ligeiramente inferior a 2% dos custos enfrentados pelas economias da zona euro com as suas dívidas.

Além da elevada fatura paga ao longo deste ano, também já no ano passado a dívida portuguesa era aquela que mais riqueza consumia em toda a zona euro face ao PIB. Já com um saldo primário positivo – resultado das contas públicas antes de pagar juros -, à imagem aliás do que se verifica nas contas da Grécia, o peso dos juros continua a ser o maior travão a um maior crescimento económico, mais investimento e a um maior alívio da austeridade imposta ao país.

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