“A avaliação de ativos em algumas regiões estão a pairar em níveis que, no passado, foram presságios da iminência de grandes correções”, diz BCE
in: Dinheiro Vivo, 24 novembro 2016
A hipótese de surgir uma “correção global na avaliação de ativos” apresenta um “risco sistémico pronunciado” segundo a avaliação do Banco Central Europeu no mais recente relatório sobre a estabilidade financeira da zona euro. O supervisor europeu aponta que por enquanto os “medidores” da estabilidade continuam relativamente calmos mas que há vários sinais a que é preciso estar atento.
“Tudo considerado, e apesar de uma relativa volatilidade nos mercados financeiros globais, os indicadores de ‘stress’ de bancos e Estados da zona euro continuam a níveis relativamente estáveis”, sintetiza o BCE logo no início do relatório. Apenas para poucas páginas depois manifestar várias preocupações.
O supervisor aponta que os últimos seis meses foram marcados por algumas correções de ativos, ainda que muitos investidores tenham recuperado das perdas provocadas pelo impacto inicial do resultado do referendo ao “Brexit”. Contudo, o resultado das eleições dos EUA levaram a nova agitação significativa: “Os movimentos de mercado indicaram uma rotação das obrigações para ações. As avaliações dos títulos caíram cerca de um bilião de euros.” O BCE diz contudo que ainda é demasiado cedo para afirmar que esta “rotação” seja uma tendência.
Salientando que as ‘yields’ das obrigações continuam baixas, “apoiadas pelas medidas do BCE para combater a inflação baixa”, o BCE lembra que o mercado acionista tem mostrado alguma volatilidade, particularmente ao nível dos setores mais associados ao ciclo económico e na banca.
“As quedas nos valores das ações dos bancos da zona euro têm sido significativas em base anual, em resultado de períodos cada vez mais curtos de correções de preço. Tudo considerado, os prémios de risco a nível global continuam comprimidos, pelo que é de esperar mais volatilidade a curto-prazo e o potencial para uma correção abrupta continua significativo considerando a incerteza política em todo o globo e as vulnerabilidades dos mercados emergentes.”
Alertas sobre uma potencial nova (e mais dura) crise financeira foram recentemente deixados por Carlos Tavares, ainda presidente da CMVM, que identificou no cenário atual dos mercados “situações preocupantemente paralelas” às que levaram à eclosão do colapso em 2008. Entre estes sinais está um sobreaquecimento de alguns mercados.
Também o BCE identifica algum sobreaquecimento, sobretudo na valorização de algumas empresas cotadas. “Os preços em alguns mercados evidenciam sinais de valorizações esticadas”, assume mesmo o BCE, apontando para o rácio preço/rendimentos [RPR] de algumas cotadas, tal como o presidente da CMVM, aliás.
“As medidas de avaliação, incluindo os RPR ajustados, o melhor indicador de uma avaliação baseada nos ganhos, encontram-se em algumas regiões a pairar em níveis que, no passado, foram presságios da iminência de grandes correções”, diz o supervisor europeu.
O facto de muitos títulos de dívida pública estarem a oferecer margens bastante reduzida aos investidores pode estar a empurrar muito capital para os mercados acionistas – ou imobiliário -, criando-se assim eventuais bolhas.
Segundo o artigo de Carlos Tavares antes citado, a política monetária, que teve uma eficácia limitada, trouxe “efeitos secundários reais” que “têm contribuído para a acumulação de riscos” de “preocupantes paralelos” com 2008, apontando para então para a emergência de bolhas em classes de ativos, bolhas “cujo desenlace é tipicamente o rebentamento”. Entre estes, nomeia os mercados acionista – “cujos preços não encontram fundamento evidente no desempenho das empresas” – e obrigacionista e alguns mercados imobiliários.
Já segundo o relatório do supervisor europeu, há “avaliações esticadas em alguns mercados bolsistas que poderão estar associados aos baixos ‘yields’ oferecidos pelos instrumentos de dívida”.