Lei corta 12,5% ao salário na função pública: trabalhadores das juntas de freguesia passam a receber 4,3 euros/hora
“Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé.” Ou, na versão PSD/CDS, se não dá para cortar salários e subsídios, aumentam-se as horas de trabalho. O alargamento do horário de trabalho na função pública de 35 para 40 horas semanais – ainda a ser estudado por Cavaco Silva – foi a forma encontrada pelo governo para conseguir novos cortes nos gastos do Estado em pessoal, surgindo acima das poupanças que serão conseguidas com despedimentos, rescisões ou reformas – que deverão reduzir o total de funcionários públicos 100 mil trabalhadores face ao total existente em 2011.
Além dos ganhos a nível salarial que o governo procura obter com o alargamento do horário, este surge também para compensar a redução de trabalhadores planeada pelo PSD/CDS. É tudo uma questão de resumir os trabalhadores a uma folha de Excel, como fez o executivo: “O facto de passarmos das sete para as oito horas permite que num posto de trabalho preenchido em 24 horas se passe de 3,5 trabalhadores para apenas três trabalhadores”, explicou Hélder Rosalino, secretário de Estado da Administração Pública, em Maio último. Mas o Excel mostra muito mais do que isso.
Os dados mais recentes da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) referem que em Abril deste ano o salário médio das administrações públicas era de 1405 euros mensais – perto de 351 euros por semana. Com um horário semanal de trabalho de 35 horas (7 horas diárias), os 351 euros equivalem a um salário de 10,03 euros/hora no actual cenário. Caso o diploma das 40 horas seja promulgado por Cavaco, esta hora de trabalho passará a render 8,78 euros – os trabalhadores vão ganhar o mesmo apesar de mais uma hora de trabalho por dia. A desvalorização do salário na função pública chega assim aos 12,5% com a lei proposta.
Apesar de os salários médios para a administração pública compararem bem com a média de remunerações do sector privado em Portugal, é preciso sublinhar não só que esse não é o caso para todos os empregos na função pública, mas também que os trabalhadores do sector privado ganham em média 55% do salário médio europeu – 1078 euros brutos contra 1936 euros brutos, fosso que depois de impostos fica ainda maior.
Equiparar os salários do público pelo privado e não o inverso é assim mais nivelamento por baixo do que uma questão de justiça. Especialmente se tivermos em atenção que a disparidade entre os salários do privado em Portugal e na Europa se encontra também nas diferentes funções públicas do país.
Na administração local, por exemplo, os trabalhadores ga- nham em média 60% das remunerações médias da administração central – 922,6 euros contra 1543 euros, segundo os dados da DGAEP. Estes serão os mais afectados pelo alargamento do horário do trabalho: se agora recebem o equivalente a 6,7 euros por hora, com um horário de 40 horas passarão a auferir 5,8 euros por hora. Se fecharmos ainda mais a análise na administração local, olhando apenas para os trabalhadores das juntas de freguesia, o valor de uma hora de trabalho destes servidores da causa pública fica ainda mais baixo: se hoje recebem 4,8 euros por hora, com a lei PSD/CDS receberão apenas o equivalente a 4,24 euros/hora – de salientar que o salário mínimo português equivale hoje a 3 euros/hora.
É óbvio que se olharmos para os trabalhadores dos ministérios as contas mudam de figura: em média os trabalhadores dos órgãos de soberania, ministérios e Presidência do Conselho de Ministros, ganham actualmente 1557 euros mensais, ou 11,1 euros por hora, valor que passará a 9,7 euros com a semana de 40 horas.
Nestes cálculos, é de relembrar, estarão incluídos profissionais que já trabalham mais que 35 horas semanais, algo que todavia não é desagregado nas estatísticas.
Ver também: Austeridade. Como baixar salários sem cortar nos salários
in: Jornal i, 22 Agosto 2013