Carlos Barbosa.“Se fosse um deles [Lino, Campos ou Mendonça] não dormia descansado”

Carlos Barbosa, líder do ACP, garante que se está “nas tintas” para a política e para o protagonismo, e que a queixa apresentada contra Mário Lino, Paulo Campos e António Mendonça visa apenas esclarecer tudo sobre a renegociação das Scut e do lançamento de oito novas concessões rodoviárias pelo governo Sócrates. Os indícios de que houve gestão danosa, assegura, são muitos e caberá ao DIAP esclarecer tudo. A queixa, diz, visa também acabar com a lógica de que os políticos apenas podem ser punidos nas eleições, devendo também responder na justiça quando há razões para isso.

(c) António Pedro Santos

Na queixa, o ACP apresenta um forte tom de certeza de que houve gestão danosa de forma deliberada. Está seguro de que os portugueses foram deliberadamente prejudicados por Lino, Campos e Mendonça?

Não temos de ter certezas, quem tem de ter certezas é o DIAP. Nós temos indícios, não certezas, daí termos entregue os dados que recolhemos a uma instituição que pode e deve investigar, e que tem a capacidade de o fazer como ninguém, já que pode ter acesso aos contratos, algo que nos está vedado.

Porquê investigar por conta própria?

Quando começámos o estudo, há 18 meses, foi porque nos pareceu que não era possível que algo que foi bem pensado por Cravinho e Guterres, que eram as Scut, pudesse passar de um custo anual de 200 milhões para mais de 700 milhões. E quando se confirmou que era preciso introduzir portagens nestas vias percebemos que algo estava mal – as Scut têm 93 entradas e saídas, nunca foram pensadas para ter portagens. Portanto queremos saber por que razão houve renegociações, por que razão foram lançadas novas concessões, e como tudo isto foi feito… E a investigação deu-nos indícios de que houve efectivamente gestão danosa. O DIAP agora investigará ao pormenor.

As reacções foram rápidas, com acusações de intriga política…

Se vir as reacções, vê-se que metade do PS, a chamada ala de José Sócrates, está histérica com este processo. Hoje [ontem] foi Augusto Santos Silva, que conhecemos pelas intervenções na Assembleia da República a defender coisas indefensáveis… É preciso ver uma coisa: o ACP está-se nas tintas para a política, ao contrário do que dizem esses socráticos. Não estamos contra o PS nem contra o PSD. Temos dialogado com todos os partidos e não enfio o chapéu de que estou a fazer favores ao PSD. Sempre fui e sou independente. Percebo que estejam enervados com alguma coisa que se possa descobrir, mas os portugueses estão a pagar milhões à custa dessas negociações, portanto estou tranquilo, e os comentários desses senhores, desses rapazes, batem completamente na carapaça da minha indiferença. Os estatutos do ACP dizem que a associação deve defender o interesse dos consumidores e dos automobilistas e é o que tenho feito. Veja a nossa posição em relação aos combustíveis, ao registo automóvel, à segurança rodoviária, à extinção da Brigada de Trânsito… Não estamos contra ninguém, estamos apenas a defender os associados, os automobilistas e os motociclistas. Ao ser eleito tenho de cumprir os estatutos do ACP. Por exemplo, não vou fazer queixa pelos 50% do Pingo Doce, isso já não me diz respeito.

A busca de protagonismo também foi uma das acusações que lhe fizeram.

Continuam a assacar-me, essas pessoas mais nervosas da ala socialista do Sócrates, que eu quero é protagonismo. Não quero nem preciso. Mas enquanto estiver à frente do ACP todos estes casos serão alvo de investigação, como a questão dos combustíveis, por exemplo. Não percebo a histeria dos Santos Silva da vida quando são os políticos que têm pedido cada vez mais iniciativas da sociedade civil. Há um grande erro em Portugal e no estado das coisas… é preciso perceber que os políticos não devem ser julgados apenas nas eleições, têm também de ser julgados pelos actos que praticam se se provar que estes são lesivos para o país.

Do PS vieram reacções opostas. Uma de Seguro, mais neutra, e outra mais forte, vinda de outros socialistas…

Não tenho de comentar as guerras intestinas e internas do PS, que, como sabe, tem duas facções marcadas. Seguro teve o comportamento normal, ou seja, se há razões para se investigar, então que se investigue. Não percebo porque há pessoas com medo desta investigação. Se estão tão sossegados em relação ao que fizeram, então deixem o DIAP investigar e pronto. Se tudo foi bem negociado e é o melhor para os portugueses, óptimo. Não percebo a histeria e este nervosismo de alguém que parece estar preocupado com o que vai dar esta investigação.

Pelo que estudou deste caso, acha que os visados podem estar descansados?

Tendo em conta os indícios que identificámos nas queixas, acho que se fosse a eles não dormia muito descansado. Mas isto agora qualquer um dorme descansado, basta tomar um comprimido. Vêem- -se barbaridades no país e toda a gente parece dormir descansada. O consumo de ansiolíticos na classe política é grande, com certeza.

Porque não a inclusão de José Sócrates na queixa?

O próprio processo em si, é evidente, vai acabar no primeiro-ministro da altura. Investigámos as pessoas que a mando dele [Sócrates], ou sem ser a mando dele, fizeram isto. Incluímos os ministros que meteram a mão na massa nas negociações. Agora se foram ou não mandatados pelo ex-primeiro-ministro isso ver-se-á na investigação, caberá à justiça apurar se Sócrates é co-responsável.

As testemunhas [Medina Carreira ou João Duque, por exemplo] que citam foram consultadas previamente?

Foram consultadas, explicámos o processo, e alguns deles estão bem dentro do assunto e podem juntar mais dados à queixa. Falámos com todos, explicámos a queixa e as testemunhas indicadas, por conhecerem estes assuntos, estão de acordo com o que estamos a fazer. Agora quem terá de dar razão à queixa é a investigação, que será seguramente bem feita e irá até ao fim.

Quais os próximos passos?

O DIAP vai investigar e à medida que formos recolhendo mais dados vamos entregando. Há muita gente que agora virá acrescentar valor à queixa, com novos dados. Será tudo entregue ao DIAP.

Gostaria de ser ouvido na comissão de inquérito sobre as PPP?

Não sou protagonista das concessões, sou como qualquer português, quero saber a verdade e o porquê de grande parte do défice que estamos a pagar vir das estradas e destas loucuras. Se for chamado irei lá com o maior gosto, e irei com a pessoa que fez o estudo, que dará mais detalhes que eu, que não sou jurista. Mas agora cabe ao DIAP e à AR investigar, porque têm mais meios e acesso que nós.

Tendo em conta as várias conclusões a que o Tribunal de Contas ou a DGTF já chegaram sobre este assunto, o dossiê não podia estar já a ser investigado?

Acho que o Estado tinha a obrigação de já estar a investigar este dossiê, mas como sabe há quase uma espécie de compromisso político de deixar as coisas andar e depois quando muda a cor do governo há um certo laxismo em determinado número de investigações… É evidente que entidades como o Tribunal de Contas se estão nas tintas para a cor política e cumprem o seu papel. Acho que o Estado tinha obrigação de já estar a investigar isto ao pormenor, mas não o fez. Nós demorámos 18 meses a investigar e agora queremos apurar a verdade, porque todos os portugueses estão a pagar estes erros.

A investigação do ACP foi até ao início do dossiê das Scut. Não encontraram indícios para incluir políticos de outros governos que não de Sócrates?

Veja um pormenor: foi com Mário Lino e Paulo Campos que se negociaram oito novas concessões rodoviárias… Isto para não lembrar que cada cerimónia de assinatura dos contratos com as concessionárias custou 500 mil euros. Aliás, são o próprio IGF e o InIR que dizem que tudo isto foi um péssimo negócio para o Estado, que vai pagar 700 milhões às concessionárias além de todas as portagens pagas pelos portugueses. Já a factura anual das novas concessões vai disparar de 800 milhões para 1,2 ou 1,3 mil milhões de euros. Além disto ainda há 500 milhões de euros financiados pela Contribuição do Serviço Rodoviário, ou seja, pelos automobilistas, para pagar as megalomanias destes senhores. Isto está tudo mal feito.

Como é que o Estado pode sair deste beco? Temos estes contratos, que estão a sair caros, e a introdução de portagens parece que veio agravar a situação. É preciso rasgar contratos?

O actual governo devia renegociar os contratos todos, sobretudo se se provar que foram feitos de forma que não beneficia o Estado ou os portugueses. O governo actual, se pede sacrifícios e corta salários, tem a obrigação moral de rever todos os contratos com as concessionárias. Não podemos estar a pagar um erro de três ou quatro pessoas. Se elegemos este governo é porque não estávamos de acordo com o anterior, portanto o novo executivo terá de renegociar estes contratos.

À força ou de forma amigável?

Isso é pergunta para o primeiro-ministro. O ideal seria negociar de forma amigável, mas se efectivamente se provar que há lucros sem sentido, e se os concessionários não estiverem de acordo, o PM tem a obrigação de pôr a casa em ordem.

A queixa do ACP foi elogiada por se tratar de uma iniciativa da sociedade civil. Com 18 meses de investigação, qual foi o custo da queixa? É acessível fazer uma queixa destas?

Foi o custo da advogada que investigou o caso, que cobrou como qualquer advogado. Considero que o custo para o ACP, porém, é muito pequeno, ridículo mesmo, em relação às vantagens que se poderão retirar de uma eventual renegociação dos contratos. Note-se que nós, ACP, somos favoráveis ao princípio do utilizador-pagador, mas para isso é preciso existirem alternativas às portagens, e ao longo dos anos estas foram desaparecendo.

Dada a quebra total no tráfego, e na receita fiscal, acha que este governo está…

…este governo em termos fiscais, nomeadamente nos automóveis, está a dar um tiro no pé. Ainda não percebeu que com estes preços no combustível, mais as portagens e os custos dos automóveis, não está a ter qualquer receita. Com os valores actuais, as pessoas não compram, não utilizam e não andam. Não havendo alternativas nem nos transportes públicos, pela oferta e pelo preço dos mesmos, as pessoas acabam por não se mover. Tudo isto está a criar um bloqueio no país.

É preciso voltar atrás nas portagens?

O governo devia renegociar os contratos e voltar atrás nas portagens ou então reparar as estradas alternativas, para serem viáveis. Devia também baixar drasticamente os impostos na venda de automóveis, não faz sentido termos menos 50% de vendas este ano. A Brisa também está a ver os lucros cair, as gasolineiras estão a vender cada vez menos…. Para um governo que fala tanto em relançar a economia… Há muita PME que depende de uma frota automóvel ou de carrinhas, e como se pode relançar uma economia se as PME estão asfixiadas com os preços dos carros, dos combustíveis e da circulação? Mas como é o caminho mais fácil, aumentam-se impostos, mas o tiro está a sair pela culatra.

in: Jornal i, 8 Maio 2012

Categorias: